São Paulo, sábado, 17 de janeiro de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Os recursos das agências de pesquisa devem passar para as universidades?

NÃO

O controle dos recursos para pesquisa

ISAIAS RAW

A sociedade aloca, por meio de instituições como o CNPq, a Finep e a Fapesp e de programas episódicos, recursos que visam o desenvolvimento científico, base para o desenvolvimento tecnológico e econômico do país, gerando competência, tecnologia, produtos e empregos.
Existe um sistema que permitiu aos países desenvolvidos distribuir com eficiência e objetividade esses recursos para obter os retornos esperados. Recursos para pesquisa nunca devem ser repartidos para distribuição pelas instituições de pesquisas ou universidades. São investimentos de recursos públicos, que têm de apostar no seu retorno social e econômico, escolhendo os melhores projetos, sob direção de pesquisadores competentes, com equipes formadas e instalações básica adequadas.
O sistema implantado pela Fapesp e seguido pelo CNPq deu, ao contrário do que se insinuou, ampla liberdade aos pesquisadores para propor seus projetos. Os projetos são sempre analisados por pares de reconhecida competência, que não têm conflitos de interesse e que permanecem anônimos. Se o projeto detalhado e o currículo dos proponentes são aprovados, o projeto é financiado. Assumem os pesquisadores o compromisso de submeter não relatórios, mas uma publicação com resultados e conclusões à comunidade científica internacional. Por meio da publicação, a comunidade científica pode usar os resultados divulgados para estender as pesquisas, que irão confirmar ou negar o que foi publicado. Esse processo garante que recursos sejam dados para pesquisadores com capacidade de inovação e que seus resultados só sejam aceitos quando adequadamente confirmados por novas pesquisas.
Nunca as agências de financiamento ultrapassam a rigorosa análise de pares nem impõem linhas de pesquisa. Quando isso ocorreu, no passado, o resultado foi trágico. Os poderes, quaisquer que sejam, não devem intervir.
Todavia é fundamental o direito do Estado de priorizar determinadas pesquisas, sem contudo eliminar a pesquisa independente, da qual frequentemente surgem as inovações importantes. O Brasil levantou empréstimos de milhões de dólares no Banco Mundial para estimular pesquisas nas áreas de química fina, biotecnologia, instrumentação científica e educação científica. Estamos agora pagando esses empréstimos, mas não progredimos suficientemente nessas áreas para formar os novos cientistas e tecnólogos. Continuaremos nessa rota, com os fundos setoriais, se não distribuirmos os investimentos para bons projetos, ainda que privilegiando determinas áreas, mas apostando na criatividade de grupos competentes. Não existe mais pesquisa individual, mas "escolas" que surgem onde aparecer um líder e atraem jovens inteligentes e motivados.
Em alguns casos, quando os investimentos necessários são muito altos, foram criados laboratórios especiais, institutos desligados das universidade, que correm o perigo de repetir a história de grande parte deles. Com um quadro estável por décadas e sem estudantes, esterilizam-se, mas mantêm a prerrogativa institucional e orçamentária de continuar a viver do seu passado. As pesquisas, quer realizadas nas universidades, quer em institutos de pesquisa, têm de ter projetos submetidos e financiados por agências externas. A distribuição de recursos a todos os Estados da União ou através do sistema sujeito às interveniências locais não leva ao desenvolvimento científico e tecnológico.
A proposta encabeçada pela profa. Marilena Chaui, importante pesquisadora na área de ciências sociais, seria um desastre para a pesquisa científica experimental. Recursos cartorialmente distribuídos não criam competência nem originalidade.


Isaias Raw, 76, professor emérito da Faculdade de Medicina da USP, é presidente da Fundação Butantan.


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