São Paulo, quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

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ANTONIO DELFIM NETTO

Somos todos marxistas

MARC BLOCH, o grande historiador, disse a um amigo pouco antes de ser fuzilado pelos nazistas em junho de 1944: "Eu também sou marxista, mas não tenho nenhuma necessidade de dizê-lo; sou marxista como sou cartesiano". Este é o ponto.
Hoje (62 anos depois de Bloch), somos todos "marxistas", exatamente como somos cartesianos, como somos humeanos, como somos espinosianos, como somos kantianos, como somos weberianos, como somos neoliberais, como somos keynesianos, como somos freudianos, como somos einsteinianos, como fingimos saber do que trata a física dos quanta e assim por diante...
Para qualquer animal inteligente, Marx continua necessário, ainda que não seja suficiente. Os dois gigantes que o habitavam, o teórico e o revolucionário, foram pouco a pouco tomando distância entre si.
O pensamento do velho Karl é uma máquina diabólica: seqüestra o leitor que não encontra saída fácil. Precisa de muito esforço para livrar-se das suas engrenagens lógicas e não o faz sem levar marcas indeléveis. De sua obra teórica ficaram sólidos resíduos, incorporados definitivamente à consciência da humanidade, mas que vão perdendo a sua identidade ao submergirem no que se supõe ser o estoque das "verdades" que conhecemos. O seu "socialismo científico", ao contrário, empalidecerá cada vez mais.
As tentativas de implementá-lo (justificadas ou não pelas condições materiais) terminaram, invariavelmente, em enormes desastres econômicos e sociais.
O grande potencial da hipótese do materialismo histórico acabou aprisionando numa órbita em torno de Marx quase todos os construtores da sociologia (Weber, Durkheim e Pareto). Estes tentaram fugir à força de atração de Mefisto negociando com ele. E como se pode entender de outra forma a obra de Aron, de Mannhein, de Wright Mills ou de Schumpeter? A obra de Marx só não conheceu ainda a mais completa absorção pela corrente do pensamento universal porque, falsificada, transformou-se numa espécie de religião oficial do império soviético. Em lugar de uma sociedade sem classes e livre, construíram um mundo fantástico de opressão e de obscurantismo, como só intelectuais são capazes de fazer. A "Igreja" matriz faliu. Seus altos sacerdotes, que, no Brasil, faziam "charme" com a carteirinha escondida do Partidão, perderam o encanto: são agora pobres "social-democratas"! Portanto, ainda que alguns lamentem, hoje todos podemos ser marxistas "sem medo de ser feliz"...


dep.delfimnetto@camara.gov.br

ANTONIO DELFIM NETTO
escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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