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ANTONIO DELFIM NETTO
Somos todos marxistas
MARC BLOCH, o grande
historiador, disse a um
amigo pouco antes de ser
fuzilado pelos nazistas em junho
de 1944: "Eu também sou marxista,
mas não tenho nenhuma necessidade de dizê-lo; sou marxista como
sou cartesiano". Este é o ponto.
Hoje (62 anos depois de Bloch), somos todos "marxistas", exatamente como somos cartesianos, como
somos humeanos, como somos espinosianos, como somos kantianos, como somos weberianos, como somos neoliberais, como somos keynesianos, como somos
freudianos, como somos einsteinianos, como fingimos saber do
que trata a física dos quanta e assim por diante...
Para qualquer animal inteligente, Marx continua necessário, ainda que não seja suficiente. Os dois
gigantes que o habitavam, o teórico
e o revolucionário, foram pouco a
pouco tomando distância entre si.
O pensamento do velho Karl é uma
máquina diabólica: seqüestra o leitor que não encontra saída fácil.
Precisa de muito esforço para livrar-se das suas engrenagens lógicas e não o faz sem levar marcas indeléveis. De sua obra teórica ficaram sólidos resíduos, incorporados
definitivamente à consciência da
humanidade, mas que vão perdendo a sua identidade ao submergirem no que se supõe ser o estoque
das "verdades" que conhecemos. O
seu "socialismo científico", ao contrário, empalidecerá cada vez mais.
As tentativas de implementá-lo
(justificadas ou não pelas condições materiais) terminaram, invariavelmente, em enormes desastres econômicos e sociais.
O grande potencial da hipótese
do materialismo histórico acabou
aprisionando numa órbita em torno de Marx quase todos os construtores da sociologia (Weber, Durkheim e Pareto). Estes tentaram
fugir à força de atração de Mefisto
negociando com ele. E como se pode entender de outra forma a obra
de Aron, de Mannhein, de Wright
Mills ou de Schumpeter? A obra de
Marx só não conheceu ainda a mais
completa absorção pela corrente
do pensamento universal porque,
falsificada, transformou-se numa
espécie de religião oficial do império soviético. Em lugar de uma sociedade sem classes e livre, construíram um mundo fantástico de
opressão e de obscurantismo, como só intelectuais são capazes de
fazer. A "Igreja" matriz faliu. Seus
altos sacerdotes, que, no Brasil, faziam "charme" com a carteirinha
escondida do Partidão, perderam o
encanto: são agora pobres "social-democratas"! Portanto, ainda que
alguns lamentem, hoje todos podemos ser marxistas "sem medo de
ser feliz"...
dep.delfimnetto@camara.gov.br
ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
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