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TENDÊNCIAS/DEBATES
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A ONU tem se mostrado irrelevante para
a obtenção da paz e da segurança mundial?
NÃO
A quem interessa a irrelevância da ONU?
OSCAR VILHENA VIEIRA
EM 12 de setembro de 2002,
George W. Bush desafiou a ONU
com a seguinte disjuntiva: ou a
organização autorizava a invasão
americana do Iraque "ou se tornaria
irrelevante". Como a ONU, por intermédio de seu Conselho de Segurança,
não se curvou à ameaça do presidente
norte-americano, suas resoluções foram simplesmente desprezadas. Da
mesma forma, o reincidente Estado
de Israel não tem apenas afrontado a
Carta da ONU e desdenhado das múltiplas resoluções adotadas pelo Conselho de Segurança ou pelo Conselho
de Direitos Humanos, mas feito a instituição alvo de seus ataques aéreos
em sua investida em Gaza.
Mas, afinal, por que deveríamos nutrir a ilusão de que Estados soberanos, dotados de enorme capacidade
de exercer a violência física, submeter-se-iam a uma organização internacional destituída de poderio militar, como a ONU?
À parte uma justificação de ordem
moral kantiana, que me dispenso de
desenvolver aqui, vislumbro ao menos duas razões de natureza realista,
baseadas no autointeresse, para que
Estados fortes se comprometam com
uma organização como a ONU.
Primeiro, seria extremamente custoso obter a cooperação das demais
nações só com base no exercício da
violência. A criação de regras aceitáveis de convivência, respeitadas pelos
próprios detentores do poder, tendem a aumentar a confiança no sistema internacional e ampliar a cooperação voluntária das demais partes.
Em segundo lugar, uma organização multilateral pode suprir dificuldades de coordenação em temas como paz, meio ambiente, deslocamentos humanos, pobreza, direitos humanos etc., canalizando responsabilidades de polícia internacional assumidas por poucos Estados.
Evidente que essas premissas apenas serão válidas quando o poder não
for tão concentrado nas mãos de um
ou poucos Estados, de forma que o
custo de imposição de suas vontades
pela força pareça irrisório em relação
ao ônus da desobediência pelos pequenos Estados, tornando a existência de uma ONU irrelevante.
O fortalecimento das economias
antes periféricas do Leste asiático, da
Rússia, da Índia, do Brasil e particularmente da China, somado à crise do
sistema financeiro dos países do Norte, criou uma situação nova de multipolaridade econômica. A participação
das economias emergentes em termos de PIB já ultrapassou, ainda que
ligeiramente, a dos países desenvolvidos. Os países emergentes devem
concentrar mais de 60% do PIB em
2025 ("The Economist", 3/7/08).
Essa mudança tem tido forte repercussão sobre a reconfiguração do mapa político global. Se a ONU viu-se
bloqueada no sistema bipolar da
Guerra Fria e sucumbiu ao unilateralismo de Bush, agora se depara com
um novo cenário. Nesse sentido, a
ONU precisa ser reformada para
atender à nova geografia do poder e
ampliar sua efetividade política.
Obama e sua secretária de Estado,
Hillary Clinton, já perceberam que
não é mais possível garantir a segurança internacional e angariar a cooperação das demais nações pelo simples exercício da violência. Como disse Hillary Clinton no Senado americano, é necessário dar prevalência à
diplomacia e à política multilateral
em detrimento da pura força. A palavra de ordem é o "smart power". Os
fracassos no Afeganistão e no Iraque
deixam claro a impossibilidade de os
EUA colocarem-se o poder único.
Um maior equilíbrio de natureza
econômica, bem como uma maior
dispersão do poder político, contribuirão necessariamente para o fortalecimento da ONU, tornando-a cada
vez mais relevante no plano puramente político. Num mundo onde
convivem muitos poderes e nenhum
parece ser tão forte a ponto de subjugar os demais, a coordenação parece
ser a única alternativa racional.
No plano moral, por sua vez, a ONU
jamais foi irrelevante. Sua capacidade
de articular temas de substantivo interesse de toda a humanidade fizeram
dela uma instituição indispensável.
Portanto, o discurso sobre a irrelevância da ONU, além de politicamente equivocado, é moralmente indefensável. Interessa, sobretudo, aos tiranos de plantão.
OSCAR VILHENA VIEIRA, 42, é professor e coordenador
do Programa de Mestrado em Direito e Desenvolvimento
da Direito GV e diretor jurídico da Conectas Direitos Humanos.
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