São Paulo, domingo, 17 de fevereiro de 2002

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CLÓVIS ROSSI

Saudade da paixão

SÃO PAULO - Bateu saudade ontem
ao ver no jornal a foto de dona Lucy Montoro ao lado do marido, André Franco Montoro.
Dona Lucy era a discrição em pessoa. Mas, uma vez, durante seminário de que os três participávamos nem lembro onde exatamente, ela tomou a iniciativa de censurar-me pelo que achava excesso de pessimismo nos meus textos. Fique bem claro que foi censura com a suavidade que era a marca dela e do marido no trato com as pessoas.
Montoro juntou-se à amena discussão, apoiando com vigor a posição da mulher. Devo confessar que não me convenceram, mas o juvenil entusiasmo do casal, já idoso, marcou mais de um ponto no meu caderninho de admirações jamais confessadas. O otimismo na ação, mesmo quando se é pessimista na avaliação, deveria ser item eliminatório em um hipotético vestibular para políticos.
Mas a característica de Franco Montoro que mais admiração deveria merecer era a paixão pela política. Ou, se quiserem de outra forma, a política como paixão.
Dava até a impressão de que a paixão era o único combustível que movia Franco Montoro no território político e/ou administrativo. Já nem importa se sua administração em São Paulo foi ótima, boa, regular ou ruim. É óbvio que gostaria de que tivesse sido tão formidável que o catapultasse à candidatura presidencial, com a qual flertou.
Mas esse é o tipo de ambição não censurável em qualquer político -como em qualquer profissional. Alcançar o degrau acima na carreira, desde que não seja pisando no pescoço dos outros, é a coisa mais natural do mundo. É justo dizer que Montoro usava como escada a paixão, não o pescoço dos outros.
Talvez seja saudosismo próprio da idade, mas a impressão que tenho é que política cada vez menos se faz como paixão e, cada vez mais, como cálculo. Por isso a saudade.



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