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CLÓVIS ROSSI
Saudade da paixão
SÃO PAULO - Bateu saudade ontem
ao ver no jornal a foto de dona Lucy
Montoro ao lado do marido, André
Franco Montoro.
Dona Lucy era a discrição em pessoa. Mas, uma vez, durante seminário de que os três participávamos
nem lembro onde exatamente, ela tomou a iniciativa de censurar-me pelo
que achava excesso de pessimismo
nos meus textos. Fique bem claro que
foi censura com a suavidade que era
a marca dela e do marido no trato
com as pessoas.
Montoro juntou-se à amena discussão, apoiando com vigor a posição da
mulher. Devo confessar que não me
convenceram, mas o juvenil entusiasmo do casal, já idoso, marcou mais
de um ponto no meu caderninho de
admirações jamais confessadas. O
otimismo na ação, mesmo quando se
é pessimista na avaliação, deveria ser
item eliminatório em um hipotético
vestibular para políticos.
Mas a característica de Franco
Montoro que mais admiração deveria merecer era a paixão pela política. Ou, se quiserem de outra forma, a
política como paixão.
Dava até a impressão de que a paixão era o único combustível que movia Franco Montoro no território político e/ou administrativo. Já nem importa se sua administração em São
Paulo foi ótima, boa, regular ou
ruim. É óbvio que gostaria de que tivesse sido tão formidável que o catapultasse à candidatura presidencial,
com a qual flertou.
Mas esse é o tipo de ambição não
censurável em qualquer político
-como em qualquer profissional.
Alcançar o degrau acima na carreira,
desde que não seja pisando no pescoço dos outros, é a coisa mais natural
do mundo. É justo dizer que Montoro
usava como escada a paixão, não o
pescoço dos outros.
Talvez seja saudosismo próprio da
idade, mas a impressão que tenho é
que política cada vez menos se faz como paixão e, cada vez mais, como
cálculo. Por isso a saudade.
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