São Paulo, sexta-feira, 17 de fevereiro de 2006

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CLÓVIS ROSSI

As culpas no Haiti

SÃO PAULO - É possível, mas não é certo, que o jeitinho dado para atribuir a Rene Préval a vitória no primeiro turno da eleição haitiana impeça que a missão brasileira no Caribe acabe registrada como um fracasso do governo Lula. Fracasso até pode ser, mas tem muitos pais.
Primeiro, é preciso ter claro que é falso atribuir o caos haitiano ao golpe que depôs o presidente Jean-Bertrand Aristide, patrocinado pela ultradireita norte-americana, segundo o "New York Times".
Caos havia antes da primeira gestão Aristide, continuou com ele, na primeira vez, e também na sua volta ao poder, patrocinada pelos Estados Unidos (sim, os Estados Unidos). Aristide já havia se convertido em mais um dos políticos envolvidos na guerra de gangues que caracteriza o país em função da desagregação do Estado.
O pai da desagregação chama-se François Duvalier (1957-71), o sanguinário ditador que os Estados Unidos apoiaram no marco da velha (e boa?) Guerra Fria.
Imaginar que a desagregação poderia ser revertida pela simples presença de um pequeno grupo de soldados é acreditar em Papai Noel.
Se os EUA, muito mais poderosos economicamente e com Forças Armadas infinitamente mais equipadas, fracassaram na Somália, por exemplo, por que supor que o Brasil teria êxito no Haiti? O máximo que poderia conseguir -e conseguiu- foi reduzir a sangreira.
Esse tipo de situação-limite demanda uma presença internacional maciça, em recursos humanos e materiais, e um bom tempo para devolver ao Estado as condições de funcionamento há muito perdidas. Mas a atenção da comunidade internacional só se volta para os Haiti e os Darfur da vida se e quando as câmeras de televisão mostram cenas dramáticas que, de tanto se repetirem, aqui e ali, começam a perder até a dramaticidade. E a atenção se desvia tão logo o "cameraman" desliga seu aparelho.

@ - crossi@uol.com.br


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