São Paulo, terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIA/DEBATES

Mudanças climáticas e São Paulo

XICO GRAZIANO e FERNANDO REI


Uns descreem, outros usam a agenda do aquecimento global para fazer oposição. São Paulo, porém, tem de enfrentar esse desafio


MENSURÁVEIS , reportáveis e verificáveis. Assim recomenda a Convenção do Clima da Organização das Nações Unidas sobre como devem ser as medidas governamentais para enfrentar mudanças climáticas. São Paulo concorda. E mais. Quer liderar esse processo. Com tal propósito, o governo estadual acaba de enviar para a Assembleia Legislativa a Pemc (Política Estadual de Mudanças Climáticas).
Nela são estabelecidos os princípios, os objetivos e os instrumentos de aplicação, para que as ações de governo sejam efetivas e eficazes. Uma política com compromissos. O planeta é um só. A contribuição histórica dos países desenvolvidos no aquecimento global não pode postergar ações vigorosas por parte das demais regiões do mundo. A posição brasileira anda tímida e temerosa.
Apenas agora, com o radicalismo do ministro Carlos Minc (Meio Ambiente), o governo federal esboça sair da exagerada cautela. O desmatamento da Amazônia, porém, continua entupindo a atmosfera de gases-estufa. Animam-se os ambientalistas mundiais com o posicionamento do presidente Obama. Os EUA, que botavam freio nessa batalha, agora aceleram as mudanças.
Aumenta a pressão sobre os países em desenvolvimento para que assumam sua responsabilidade. Nesse cenário, São Paulo puxa a fila, mostrando que os governos regionais também devem participar da governança climática global.
A Pemc pretende reduzir ou estabilizar a concentração dos GEE (gases de efeito estufa) na atmosfera, atingindo nível seguro para garantir o desenvolvimento sustentável. O Poder Executivo, por meio da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e da Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental), se obriga a finalizar, até dezembro de 2010, o inventário das emissões paulistas de GEE.
Tal inventário definirá a base para o estabelecimento de metas, globais ou setoriais, pelo Estado. Até lá, o setor energético adotará a meta de redução, para 2020, de 20% das suas emissões de dióxido de carbono. Isso exige limpar, ainda mais, a matriz energética paulista. Atualmente, estima-se que 41% do consumo de energia advenha de fontes renováveis. O cumprimento da meta de redução exige um acréscimo de 10% na oferta de energia não-poluente. Etanol e bioeletricidade são agendas da sustentabilidade.
São Paulo assume, com coragem, o compromisso de combater a poluente energia derivada do fóssil -e finito- petróleo. Aqui entra a agenda do transporte sustentável. A proposta relaciona um conjunto de medidas para enfrentar o péssimo costume do uso individual do automóvel.
A começar do imprescindível investimento público em transporte coletivo. A legislação proposta pelo governo Serra estabelece, ainda, a necessidade da chamada Comunicação Estadual, com prazo até 2010.
Seguindo o rumo da legislação internacional, o documento trará ao público todas as informações e ações estratégicas propostas para enfrentar as terríveis consequências das alterações globais do clima da Terra. Transparência total. Haverá a participação da sociedade. O Fórum Paulista de Mudanças Climáticas, assegurado na lei, garante a presença de amplos setores -ambientalistas, empresariais, universitários- nas discussões. Nada será fácil. A população precisa de empregos.
Sem renda não se melhora a qualidade de vida. Mas aqui reside o fundamental: chega de expandir a economia lançando notas promissórias contra o futuro. A Pemc representa uma inquestionável -e voluntária- colaboração paulista ao novo regime internacional que se anuncia nas discussões do chamado pós-Kyoto, exigindo metas de redução dos países emergentes.
A natureza global da mudança do clima requer maior cooperação internacional, conforme o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, das nações e regiões de governo. São Paulo já atua nesse campo, desempenhando relevante papel "paradiplomático" como copresidente da Rede de Governos Regionais para o Desenvolvimento Sustentável -nrg4SD, uma espécie de Organização das Nações Unidas paralela, que aglutina interesses de mais de 500 regiões, Estados ou províncias independentes dos cinco continentes.
Alguns descreem do aquecimento global. Outros se utilizam da agenda para fazer oposição. Faz parte da política. São Paulo, porém, não pode desviar o foco do assunto principal: enfrentar o desafio das mudanças climáticas. Uma boa lição de casa.

FRANCISCO GRAZIANO NETO , o Xico Graziano, engenheiro agrônomo, é secretário estadual do Meio Ambiente de São Paulo. Foi presidente do Incra (1995), secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (governo Covas) e chefe do gabinete pessoal da Presidência da República (gestão FHC).
FERNANDO REI , advogado, fez doutorado em direito internacional pela Universidade de São Paulo. É professor titular do Centro Universitário Senac e diretor-presidente da Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo).



Texto Anterior: TENDÊNCIA/DEBATES
Paul Singer: A ressurreição do keynesianismo

Próximo Texto: Painel do Leitor
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.