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Hora do recreio
Frase de Lula revela, de modo involuntário, a aceitação do festival de fisiologismo na escolha de seus novos ministros
COM EDUCAÇÃO e Saúde
não se brinca, disse bem
o presidente Lula. A frase, que justificava a presença de ministros de perfil técnico nas duas áreas, não pretendia ser jocosa. Mas terminou
produzindo o efeito de uma piada pronta.
"Na Saúde, se você brincar, é a
morte", considerou Lula, sombriamente. "Na Educação, se você brincar, é analfabeto", advertiu em seguida, já levado pelas
águas traiçoeiras do improviso.
Ainda que seja preocupante a
situação do ensino no país, é todavia possível que até mesmo
um estudante com notas abaixo
da média no Enem possa deduzir
facilmente o que vai implícito na
mensagem presidencial.
Preservados os ministérios da
Saúde e da Educação, um vasto e
dispendioso "playground" se reserva, a julgar pelas considerações de Lula, aos mais robustos
representantes da base parlamentar do seu governo.
Brincarão à vontade, pelo que
se pode prever, no Ministério das
Minas e Energia, das Comunicações, da Agricultura ou da Integração Nacional. Brincarão na
Previdência ou no Turismo, nas
Cidades ou nos Transportes, nos
aeroportos ou nos estádios, nos
centros de pesquisa ou nos correios, onde partidos grandes e
pequenos, ambições modestas e
exaltadas, tratam de se acomodar num corre-corre estrepitoso,
risonho e franco.
Há diversões para todos os
perfis de pretendentes, dos mais
comportados e discretos aos que
acumulam, desde já, um vasto
currículo de estripulias e turbulências. Neste último grupo, ressalta a figura do deputado peemedebista Odílio Balbinotti,
apontado como provável ministro da Agricultura.
Provável ou improvável, há o
bastante no noticiário a seu respeito para sugerir que, mesmo
para os padrões permissivos da
reforma ministerial, brincadeira
tem limite.
O deputado paranaense responde a inquérito sigiloso no
STF sob acusação de falsidade
ideológica, e, tendo justificado
com atestado médico algumas de
suas freqüentes ausências em
plenário, foi flagrado no mesmo
período em visita a uma cooperativa agrícola em Maringá, cidade
onde enfrenta uma ação popular,
acusado de desviar recursos.
O que são gazetas legislativas,
entretanto, diante da expectativa de um extenso e produtivo período de recreio nos próximos
quatro anos? Confirme-se ou
não o nome de Balbinotti, uma
coisa é certa: o presidente sabe
que, antes da Saúde e da Educação, é com o PMDB -e com os
demais partidos de sua base-
que não convém brincar.
No fundo, a estratégia do Planalto reduz-se a proteger alguns
setores prioritários do pega-pega
geral. Com espontaneidade característica, o presidente Lula
involuntariamente aponta para
aquilo que, típico da política brasileira, não se cansou de denunciar quando estava fora do poder,
e agora aceita, sem alternativas
melhores a propor: o triunfo do
fisiologismo, da negociata, da
brincadeira escancarada com os
recursos do contribuinte e com
as necessidades do cidadão.
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