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RUY CASTRO
Leitura de avião
RIO DE JANEIRO - Caos aéreo
também é cultura. Hoje, quando
vou tomar um avião, já zarpo para o
aeroporto equipado com uma minibiblioteca portátil, sabendo que
terei tempo de sobra para ler.
Ano passado, no auge dos apagões, aproveitei idas a Brasília, Belo
Horizonte e Salvador para devorar
os quatro volumes de "As Obras-Primas que Poucos Leram", uma
série de ensaios publicados em
"Manchete" nos anos 70 e reunidos
em livro pela editora Record. Com
Carpeaux escrevendo sobre Flaubert, Cony sobre Guimarães Rosa e
Paulo Mendes Campos sobre T. S.
Eliot, os aviões podiam se atrasar à
vontade -porque eu tinha grande
material para ler.
Em janeiro e fevereiro, minha
leitura caiu a níveis alarmantes.
Não porque os vôos tivessem se
normalizado, mas porque não tomei nenhum avião -nada me tira
do Rio no verão e no Carnaval. Com
Baco finalmente para trás, fui a São
Paulo nesta semana. Na ida, tudo
bem: nos 40 minutos de vôo, li o
primeiro volume do clássico "Memórias para Servir à História do
Reino do Brasil", de 1825, pelo Padre Perereca. Mas, na hora do pouso, o avião teve de voar em círculo
por outros 40 minutos, com o que li
o volume 2 do Perereca.
Dois dias na cidade e tomei o
avião de volta. Ou tentei tomar. Em
Congonhas, o número do portão no
cartão de embarque era um, o
anunciado no painel era outro e o
chamado pelo alto-falante, outro.
Isso me atrapalhou ler "Master of
Villainy", uma biografia do escritor
Sax Rohmer, criador do vilão Fu
Manchu.
Embarcamos com uma hora de
atraso, e o avião, com todo mundo
dentro, ainda levou mais uma para
decolar. Por sorte, eu trazia comigo
"Lucíola", de Alencar, que reli.
E, no vôo, folheei um livro ensinando o cidadão a ficar frio, mesmo
que seus compromissos estejam indo -literalmente- para o espaço.
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