São Paulo, sábado, 17 de março de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

É positivo que o Estado seja obrigado por decisão judicial a fornecer certos medicamentos?

NÃO

Regulamentar é o melhor caminho

LUIZ ROBERTO BARRADAS BARATA

A O FORMULAR as propostas que norteariam a implantação do SUS (Sistema Único de Saúde), os sanitaristas incluíram, acertadamente, o direito de todos os brasileiros terem acesso universal e integral à saúde, incluindo a assistência farmacêutica. Um avanço sem precedentes, sobretudo se lembrarmos que, antes da Constituição Federal de 1988, o atendimento gratuito em saúde era garantido apenas aos que contribuíam com a Previdência Social, e a distribuição de medicamentos pela rede pública era quase nula.
No Estado de São Paulo, cerca de 350 mil pessoas recebem regularmente medicamentos de dispensação excepcional, os chamados "medicamentos de alto custo". São aqueles mais caros, para doenças específicas e de tratamento prolongado, como Aids, esclerose múltipla, hepatite, doença renal crônica.
O investimento é de R$ 80 milhões por mês. São produtos de valor elevado, que custam, mensalmente, em alguns casos, o equivalente ao valor de um automóvel zero quilômetro. O cadastramento de novos pacientes cresce ano a ano: em 2003, por exemplo, o programa atendia 100 mil paulistas.
Atualmente, cerca de 150 tipos de medicamento de alto custo em 300 apresentações são dispensados pelo SUS/SP. Todos constam de lista padronizada, estipulada pelo Ministério da Saúde. Significa que passaram por avaliação de eficácia terapêutica. Para receber um desses remédios, basta, dentro dos critérios técnicos predefinidos, solicitar o medicamento à Secretaria de Saúde de seu Estado. Nos últimos anos, o avanço da indústria farmacêutica tem sido notório. Entretanto, muitos produtos recém-lançados possuem, em maior ou menor grau, eficácia similar à de remédios já conhecidos, disponíveis no mercado e inclusos na lista de distribuição da rede pública de saúde. No entanto, os novos remédios custam muito mais que os atualmente padronizados pelo SUS.
Outros produtos, comercializados fora do Brasil ou ainda em fase de testes, não possuem registro no país e não devem ser distribuídos pelo SUS, pois podem pôr em risco a saúde de quem os consumir. São justamente esses medicamentos que o Estado mais vem sendo obrigado a fornecer por pedidos na Justiça.
É importante ressaltar que a entrega de medicamentos por decisão da Justiça compromete a dispensação gratuita regular, já que os governos precisam remanejar recursos vultosos para atender situações isoladas.
Em São Paulo, a Secretaria da Saúde gasta cerca de R$ 300 milhões por ano para cumprir ações judiciais para distribuição de remédios não padronizados de eficácia e necessidade duvidosas. Com esse valor é possível construir seis hospitais de médio porte por ano, com 200 leitos cada.
Além de medicamentos, o Estado vê-se obrigado a entregar produtos como iogurtes, requeijão cremoso, queijo fresco, biscoitos, adoçante, leite desnatado, remédio para disfunção erétil, mel e xampu, dentre outros itens. Em 2004, por exemplo, chegou a ter de custear, por força de decisão judicial, a feira semanal para morador da capital.
Nesse sentido, a recente decisão da ministra Ellen Gracie, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), acerca da dispensação de medicamentos exclusivamente padronizados pelo SUS, regulamenta a assistência gratuita e universal que não deve ser confundida com a distribuição indiscriminada de qualquer tipo de medicamento à população. Os Orçamentos dos governos federal, municipais e estaduais são limitados, e por isso é fundamental estabelecer critérios e condutas para que esses recursos não sejam utilizados para satisfazer o interesse de grupos e empresas preocupadas em ganhar dinheiro à custa da saúde da população.
Já tarda no país uma discussão em torno da regulamentação constitucional da assistência farmacêutica gratuita. Obviamente, o poder público não deve se furtar de fornecer medicamentos, pois isso seria inadmissível. Mas a regulamentação, com uma lista criteriosa, ampla e com protocolos definidos, é o melhor e mais saudável caminho para evitar que alguns sejam privilegiados em detrimento da maioria.


LUIZ ROBERTO BARRADAS BARATA, 53, médico sanitarista, é secretário da Saúde do Estado de São Paulo.

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