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TENDÊNCIAS/DEBATES
É positivo que o Estado seja obrigado por decisão judicial a fornecer certos medicamentos?
NÃO
Regulamentar é o melhor caminho
LUIZ ROBERTO BARRADAS BARATA
A O FORMULAR as propostas
que norteariam a implantação
do SUS (Sistema Único de Saúde), os sanitaristas incluíram, acertadamente, o direito de todos os brasileiros terem acesso universal e integral à saúde, incluindo a assistência
farmacêutica. Um avanço sem precedentes, sobretudo se lembrarmos
que, antes da Constituição Federal de
1988, o atendimento gratuito em saúde era garantido apenas aos que contribuíam com a Previdência Social, e a
distribuição de medicamentos pela
rede pública era quase nula.
No Estado de São Paulo, cerca de
350 mil pessoas recebem regularmente medicamentos de dispensação
excepcional, os chamados "medicamentos de alto custo". São aqueles
mais caros, para doenças específicas e
de tratamento prolongado, como
Aids, esclerose múltipla, hepatite,
doença renal crônica.
O investimento é de R$ 80 milhões
por mês. São produtos de valor elevado, que custam, mensalmente, em alguns casos, o equivalente ao valor de
um automóvel zero quilômetro. O cadastramento de novos pacientes cresce ano a ano: em 2003, por exemplo, o
programa atendia 100 mil paulistas.
Atualmente, cerca de 150 tipos de
medicamento de alto custo em 300
apresentações são dispensados pelo
SUS/SP. Todos constam de lista padronizada, estipulada pelo Ministério
da Saúde. Significa que passaram por
avaliação de eficácia terapêutica. Para
receber um desses remédios, basta,
dentro dos critérios técnicos predefinidos, solicitar o medicamento à Secretaria de Saúde de seu Estado.
Nos últimos anos, o avanço da indústria farmacêutica tem sido notório. Entretanto, muitos produtos recém-lançados possuem, em maior ou
menor grau, eficácia similar à de remédios já conhecidos, disponíveis no
mercado e inclusos na lista de distribuição da rede pública de saúde. No
entanto, os novos remédios custam
muito mais que os atualmente padronizados pelo SUS.
Outros produtos, comercializados
fora do Brasil ou ainda em fase de testes, não possuem registro no país e
não devem ser distribuídos pelo SUS,
pois podem pôr em risco a saúde de
quem os consumir. São justamente
esses medicamentos que o Estado
mais vem sendo obrigado a fornecer
por pedidos na Justiça.
É importante ressaltar que a entrega de medicamentos por decisão da
Justiça compromete a dispensação
gratuita regular, já que os governos
precisam remanejar recursos vultosos para atender situações isoladas.
Em São Paulo, a Secretaria da Saúde gasta cerca de R$ 300 milhões por
ano para cumprir ações judiciais para
distribuição de remédios não padronizados de eficácia e necessidade duvidosas. Com esse valor é possível
construir seis hospitais de médio porte por ano, com 200 leitos cada.
Além de medicamentos, o Estado
vê-se obrigado a entregar produtos
como iogurtes, requeijão cremoso,
queijo fresco, biscoitos, adoçante, leite desnatado, remédio para disfunção
erétil, mel e xampu, dentre outros
itens. Em 2004, por exemplo, chegou
a ter de custear, por força de decisão
judicial, a feira semanal para morador
da capital.
Nesse sentido, a recente decisão da
ministra Ellen Gracie, presidente do
STF (Supremo Tribunal Federal),
acerca da dispensação de medicamentos exclusivamente padronizados pelo SUS, regulamenta a assistência gratuita e universal que não deve
ser confundida com a distribuição indiscriminada de qualquer tipo de medicamento à população.
Os Orçamentos dos governos federal, municipais e estaduais são limitados, e por isso é fundamental estabelecer critérios e condutas para que esses recursos não sejam utilizados para satisfazer o interesse de grupos e
empresas preocupadas em ganhar dinheiro à custa da saúde da população.
Já tarda no país uma discussão em
torno da regulamentação constitucional da assistência farmacêutica
gratuita. Obviamente, o poder público não deve se furtar de fornecer medicamentos, pois isso seria inadmissível. Mas a regulamentação, com uma
lista criteriosa, ampla e com protocolos definidos, é o melhor e mais saudável caminho para evitar que alguns
sejam privilegiados em detrimento da
maioria.
LUIZ ROBERTO BARRADAS BARATA, 53, médico sanitarista, é secretário da Saúde do Estado de São Paulo.
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