São Paulo, segunda-feira, 17 de março de 2008

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ALBA ZALUAR

Informalidade perversa

EM RECENTE simpósio internacional sobre o tráfico de drogas, uma das afirmações mais esclarecedoras sobre a questão veio do economista colombiano Francisco Thoumi, considerado um dos maiores especialistas do mundo no assunto.
Disse ele que, na produção de heroína e cocaína, há uma enorme concentração em poucos países, enquanto centenas de outros reúnem as mesmas condições ambientais de produzi-las. E principalmente que a concentração não se explica nem pela alta rentabilidade da mercadoria ilegal, nem pela existência da demanda.
Tais produtos não são produzidos onde são mais consumidos. Na verdade, são produzidos de forma concentrada onde é mais fácil fazer coisas ilegais.
A história de fracionamento político e a falta de governo central com controle de todo o território nos países sul-americanos que fabricam a cocaína explica a ilegalidade. Para Thoumi, é a oferta abundante que reduz o preço e cria a demanda. Portanto, a fácil explicação de que o usuário é o culpado deve ser revista.
No Brasil, as ilhas da informalidade-ilegalidade e o oscilar entre centralização e independência local criaram as condições para que o tráfico se espalhasse pelo território nacional. Nas cidades, o varejo do tráfico pode até mesmo, como acontece no Rio de Janeiro, controlar militarmente territórios urbanos classificados pelo IBGE como "subnormais". Isso quer dizer, locais onde a ocupação não obedece às posturas urbanas e onde pode vir a se desenvolver a lei do mais forte ou lei da selva, tanto no acesso à moradia nesses locais, como na resolução de conflitos e na distribuição de benefícios.
Portanto, de nada adianta dotar tais locais de infra-estrutura urbana e serviços públicos decentes se não se termina com a "subnormalidade". Com a experiência adquirida pelo projeto Favela-Bairro, já sabemos que o nó está na propriedade do solo e da habitação. A lentidão, por conta dos inúmeros problemas jurídicos envolvidos, na distribuição de títulos de propriedade aos moradores das favelas vem a realimentar a lei do mais forte, ainda mais que os investimentos públicos aumentam o valor dos imóveis subnormais.
A situação caótica na propriedade do solo urbano faz com que continuem a agir grileiros que "vendem" lotes que não lhes pertencem, transformando em invasores os que pagaram prestações para obtê-los. E a informalidade nas invasões de favelas transformou associações de moradores em poderosas agências imobiliárias e eleitorais, aproveitadas pelos homens armados que se impõem militarmente, sejam eles traficantes, sejam paramilitares.


ALBA ZALUAR 0escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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