São Paulo, segunda-feira, 17 de março de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Trânsito é responsabilidade dos governos

BETO ALBUQUERQUE


Pouco adianta o governo ser duro com os comerciantes às margens das rodovias, se não fiscaliza de maneira eficiente o motorista infrator


AOS DEZ ANOS de vigência, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) necessita de atualização, devido à nova realidade do trânsito no país. Bastaria, porém, cumprir à risca as regras atuais para reduzir o número de acidentes, crimes e mortes no trânsito. Mas, infelizmente, nem os governos nem os motoristas devotam respeito à legislação.
Para que uma lei não vire letra morta são necessários ação, recursos humanos qualificados, instrumentos técnicos modernos, fiscalização, estudos, diagnósticos, planejamento e investimentos. Essa é a função primordial do Poder Executivo, em todas as esferas administrativas.
Não é só o valor da multa que determina a correção das condutas infratoras, como acreditam alguns. É preciso, por exemplo, executar o complemento da punição por multa, que é a suspensão do direito de dirigir dos condutores com mais de 20 pontos na carteira -além de exigir a reciclagem desses infratores, ambas previstas no código de trânsito.
É de se lamentar que a proposta do Ministério da Justiça de majorar os valores das multas não esteja acompanhada de um plano de aplicação dos recursos arrecadados. Enquanto o Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito (Funset) acumula mais de R$ 1,2 bilhão, faltam 3.000 homens no efetivo da Polícia Rodoviária Federal, viaturas e etilômetros para a fiscalização do consumo de álcool nas estradas.
Se comparado ao crescimento exponencial da frota de veículos no país, é insignificante ainda o investimento público em sinalização de rodovias e equipamentos de segurança, especialmente em trechos perigosos. Soma-se a isso a ausência de campanhas permanentes de conscientização sobre segurança no trânsito, iniciativa capaz de promover a mudança de atitude dos cidadãos. Diante disso, fica a pergunta: o que fazem União, Estados e municípios com os recursos do Funset?
Pouco adianta, por exemplo, o governo ser duro com os comerciantes instalados às margens das rodovias -alvos de recente medida provisória que proíbe a venda de bebidas alcoólicas em estradas federais-, se não consegue ser eficiente na fiscalização do motorista infrator, que deveria ser o foco principal.
O trânsito não pode continuar a ser tratado de forma diversionista. Quem comete crime, nesse caso, é o condutor que bebe e dirige, não o comerciante. Enquanto isso, a medida provisória em questão já compromete a atividade comercial e a manutenção de centenas de milhares de empregos, sem combater o principal. E tudo isso por quê? Para evitar que o motorista irresponsável beba e dirija, quando já há legislação em vigor para puni-lo.
Leis como a nº 11.275/2006, de minha autoria, que eliminou os obstáculos legais à efetiva fiscalização e comprovação da embriaguez do condutor. Com ela, permitiu-se o uso de provas como o teste do bafômetro, o exame clínico e a perícia. Diante da recusa do motorista em colaborar com o agente de trânsito, passaram a valer todos os tipos de provas admitidas em direito, entre elas, a do testemunho. Essa lei permitiu melhores instrumentos para a fiscalização. Mas, infelizmente, não se observam em rodovias e vias urbanas, como práticas cotidianas, abordagens preventivas e educativas que poderiam identificar e retirar de circulação motoristas embriagados.
Neste momento, uma frente parlamentar dedicada às questões do trânsito está empenhada em aprovar novas mudanças no CTB, a fim de torná-lo ainda mais rigoroso. Defendo, por exemplo, a redução a zero do nível de álcool admitido no organismo. A legislação atual permite até 0,6 decigramas de álcool por litro de sangue; eliminar essa margem facilitaria a fiscalização e dispensaria o uso de equipamentos mais sofisticados.
Enfim, trânsito seguro é o resultado de uma legislação moderna, de uma sociedade conscientizada e de um forte aparato de Estado capaz de garantir o cumprimento da lei e a infra-estrutura adequada a motoristas, motociclistas e pedestres. Não há outro caminho. E a propósito, para os governos que não cumprem o Código de Trânsito, qual será mesmo o valor da multa?


BETO ALBUQUERQUE , 45, advogado, é deputado federal (PSB-RS) e presidente da Frente Parlamentar em Defesa do Trânsito Seguro. Foi secretário de Transportes do Rio Grande do Sul (governo Olívio Dutra).

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