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São Paulo, quinta-feira, 17 de abril de 2003

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LUÍS FRANCISCO CARVALHO Fº

Metralhadora giratória

1. Depois do 11 de setembro , os EUA patrocinam a erosão das garantias individuais. Símbolo da gestão psicopata de Bush, a base militar de Guantánamo, em Cuba, abriga centenas de prisioneiros suspeitos de vínculo com o terror islâmico. Na "free zone" não vigoram direitos e a tortura pode ser praticada livremente.
2. Na Cuba de Fidel Castro, três homens são julgados sumariamente e levados ao paredão pelo sequestro de um barco que os levaria para os EUA -"ato muito grave de terrorismo".
3. Um despacho do ministro da Justiça do Brasil, em 1877, sintetiza o pensamento predominante e inconfessável das autoridades: "Na esfera da atividade policial, nem sempre é possível proceder de modo irrepreensível perante a lei. Há casos policiais em que os fins justificam os meios". No Império, o quilombo é o "valhacouto de ladrões". Hoje, é a favela.
4. Para evitar rebeliões na Bahia, dom João 6º proíbe, em 1814, o "ajuntamento de negros chamados vulgarmente batuques, não só de dia, mas muito particularmente de noite". Em 2003, o secretário da Segurança de Santa Catarina proíbe as raves para impedir situações que favorecem a "prática de atitudes ilícitas".
5. O terror causado pelo crime organizado não é contido com medidas puramente repressivas. Há nos morros e nas periferias das cidades um exército de jovens que não vêem no trabalho ou no estudo uma perspectiva de prosperidade. Nada contra o Fome Zero, mas marginalidade não se resolve com distribuição de alimento, assistencialismo e propaganda.
6. Não adianta agravar penas, aterrorizar os guetos, acabar com banho de sol ou sumir com o Beira-Mar. Outros virão. No capítulo repressivo, é preciso aprimorar a polícia e gerenciar com eficiência o sistema penitenciário. O problema é o celular chegar ao preso: alguém recebe por isso. Atitude é investigar com inteligência, por exemplo, o abastecimento de armas, geralmente das Forças Armadas: alguém recebe por isso.
7. A raiz da violência brasileira está na exclusão social, no governo das cidades e no descrédito do poder público. Ao permitir a propaganda de cigarros no Grande Prêmio de Fórmula 1 em São Paulo, contra a lei, o país sinaliza mais uma vez para o mundo e para as favelas que aqui tudo tem um "jeitinho".
8. Quem toma as providências para sepultar um parente na capital paulista vê que nada acontece no serviço funerário sem o pagamento de propina.
9. O ciclo da desordem imobiliária na maior cidade do país é simples: o construtor viola as normas municipais e corrompe o fiscal. A "anistia" regulariza a obra. A república é de banana mesmo, mas esperam que o favelado respeite a lei.
10. Querem aprovar um "regime disciplinar diferenciado" para presos, com um período de até 360 dias de isolamento, renovável sucessivamente. Bastarão "fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando" para que o preso, perigoso ou não, seja submetido a uma máquina legal de formação de psicopatas.
11. Depois do assassinato do juiz em Presidente Prudente, o Tribunal de Justiça de São Paulo "desobriga" os juízes de visitar presídios e cadeias. O que é uma espécie de "free zone" adquire mais espaço ainda para a violência e a corrupção.
12. E, por falar em magistratura, juiz sem rosto é como mula-sem-cabeça. Não orna, assusta.


Luís Francisco Carvalho Filho é advogado e articulista da Folha. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Otavio Frias Filho, que escreve às quintas-feiras nesta coluna.


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