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CARLOS HEITOR CONY
Pavana para a menina morta
RIO DE JANEIRO - Não é para
festejar, antes para lamentar, com
aquilo que os parnasianos antigamente chamavam de "todas as
veras d'alma".
Há muito não tínhamos um fato
policial com as características da
maldade humana personificada
num episódio isolado como o da
menina que foi atirada da janela do
prédio onde morava. Os suspeitos,
até agora, são seus parentes mais
próximos, o pai e a madrasta. Até o
momento em que escrevo esta crônica, a polícia ainda não tinha chegado a uma conclusão. Se é que chegará a uma conclusão.
De alguns anos para cá, o noticiário policial tornou-se monótono,
redundante como um filme de mocinho e bandido, um faroeste coletivo. Índios contra a cavalaria americana, que nem sempre chega a tempo de salvar o forte. Não há mistério
nesse tipo de luta ou de crime, mudam-se tanto os cenários, os personagens, o número de mortos e feridos, mas o episódio em si, por mais
dramático que seja, é sempre o
mesmo. Culpa-se então o Estado, a
injustiça social, a distribuição de
renda, a corrupção da polícia.
No caso da menina morta, além
do mistério até agora não apurado,
os ingredientes são outros e pertencem à condição humana, cuja malignidade até hoje também não foi
devidamente estudada e explicada.
Em tempos outros, anteriores à
violência urbana, às balas perdidas
e às tropas de elite, volta e meia havia casos assim, escabrosos. Homens que serravam mulheres e as
colocavam dentro da mala ou as enterravam no quintal, tarados seriais
que nem iam para a cadeia, mas para hospitais psiquiátricos -o caso
de Febrônio assustou a infância de
várias gerações.
Eram crimes personalizados e,
por isso, mais horripilantes. Tal como o da menina que foi atirada ou
caiu da janela. A culpa não é social.
É dolorosamente humana.
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