São Paulo, quinta-feira, 17 de abril de 2008

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CARLOS HEITOR CONY

Pavana para a menina morta

RIO DE JANEIRO - Não é para festejar, antes para lamentar, com aquilo que os parnasianos antigamente chamavam de "todas as veras d'alma".
Há muito não tínhamos um fato policial com as características da maldade humana personificada num episódio isolado como o da menina que foi atirada da janela do prédio onde morava. Os suspeitos, até agora, são seus parentes mais próximos, o pai e a madrasta. Até o momento em que escrevo esta crônica, a polícia ainda não tinha chegado a uma conclusão. Se é que chegará a uma conclusão.
De alguns anos para cá, o noticiário policial tornou-se monótono, redundante como um filme de mocinho e bandido, um faroeste coletivo. Índios contra a cavalaria americana, que nem sempre chega a tempo de salvar o forte. Não há mistério nesse tipo de luta ou de crime, mudam-se tanto os cenários, os personagens, o número de mortos e feridos, mas o episódio em si, por mais dramático que seja, é sempre o mesmo. Culpa-se então o Estado, a injustiça social, a distribuição de renda, a corrupção da polícia.
No caso da menina morta, além do mistério até agora não apurado, os ingredientes são outros e pertencem à condição humana, cuja malignidade até hoje também não foi devidamente estudada e explicada.
Em tempos outros, anteriores à violência urbana, às balas perdidas e às tropas de elite, volta e meia havia casos assim, escabrosos. Homens que serravam mulheres e as colocavam dentro da mala ou as enterravam no quintal, tarados seriais que nem iam para a cadeia, mas para hospitais psiquiátricos -o caso de Febrônio assustou a infância de várias gerações.
Eram crimes personalizados e, por isso, mais horripilantes. Tal como o da menina que foi atirada ou caiu da janela. A culpa não é social. É dolorosamente humana.


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