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TENDÊNCIAS/DEBATES
É correta a prisão preventiva de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá?
NÃO
A ilegalidade da prisão
DAVID TEIXEIRA DE AZEVEDO
SEGUNDO O sistema constitucional e processual brasileiro, o juiz
e o promotor podem responder
criminalmente por haverem decretado a prisão preventiva de Alexandre
Nardoni e Anna Carolina Jatobá.
A responsabilidade criminal em tese já surgira em 2/4, quando ilegalmente houve a prisão temporária do
casal, revogada em 10/4 por liminar
do desembargador Canguçu de Almeida, do Tribunal de Justiça de São
Paulo. Irrelevante o arquivamento do
habeas corpus em 6/5 por perda de
objeto. Se ilegal a prisão temporária,
em tese houve a prática do crime de
abuso de autoridade, pois promotor e
juiz atentaram contra a liberdade de
locomoção (artigo 3º, a, lei 4.898/65).
A prisão preventiva é a nova face do
abuso de autoridade. Todos os operadores do direito sabem que a prisão
preventiva não se justifica para punir
quem comprovadamente cometeu
um crime. Deve ficar preso durante
inquérito policial e processo apenas
quem, segundo prova dos autos, continuará a praticar infrações criminais
(ordem pública), constrangerá testemunhas, mexerá ou desaparecerá
com provas (garantia da instrução
criminal) ou fugirá se condenado (garantia da aplicação da lei penal).
Esse é o texto restritivo da lei e o espírito de nosso sistema jurídico. Para
a Constituição, todos somos presumidos inocentes até um tribunal isento
definitivamente nos julgar culpados,
à luz da prova e efetivados o contraditório e a ampla defesa.
A repugnância do crime e a consistência das provas são importantes para o julgamento final do processo,
quando Nardoni e Jatobá receberão
eventual pena de até 30 anos de reclusão em regime fechado.
Não se pode é condenar previamente e expor investigados e réus à
prévia execração pública. O objetivo
do Judiciário é oferecer prestação jurisdicional justa, depois do regular
processo, do contraditório e da ampla
defesa, contestadas e refeitas as provas do inquérito policial. Deveria servir o Judiciário de filtro às emoções,
aos impulsos de imediato linchamento do casal, filtro muito mais importante quando o crime é hediondo, e
repugnante a figura do criminoso. Em
síntese, sentença penal que condena
os réus manifesta Justiça racional e
justa. Imediato linchamento moral e
decretação da prisão sob o fundamento do desejo de linchamento social
são Justiça irracional e injusta.
Clamor público não justifica a prisão. Ele pode resultar de exploração
vesga dos fatos por um mal-intencionado meio de comunicação. O clamor
público não revela a verdade nem os
valores incidentes sobre o fato, mas o
êxito em mover a consciência e a vontade dos membros da sociedade numa direção predeterminada.
Em segundo lugar, a missão de
aplacar o clamor público é da pena ao
final do processo, que deve dar resposta ao crime e à sociedade e assim
reafirmar o ordenamento jurídico.
Por fim, não é raro o clamor público
ser construído artificialmente pelo
Ministério Público: antes de oferecer
denúncia criminal, veicula-a na imprensa. Esta repercute a acusação. A
repercussão faz o caminho de volta ao
Judiciário, que encontra motivos para a decretação da prisão preventiva
pelo suposto "clamor público".
Credibilidade da Justiça também
não justifica a prisão É imenso o malserviço que a prisão temporária (revogada por liminar) e a prisão preventiva (provavelmente a ser revogada)
causam às instituições democráticas:
fazem descrer na Justiça.
A prisão decretada antecipadamente faz acreditar que todo o trabalho do
promotor e do juiz foi correto e a "justiça foi feita" pela "punição dos culpados Nardoni e Jatobá". Se essa prisão
é revogada por faltarem os requisitos
legais, a soltura do casal cria um anticlímax. O sentimento é: "a justiça
nunca é feita mesmo", "neste país não
há Judiciário sério" e que melhor é a
justiça sumária. Incentiva-se a privatização na solução dos conflitos.
Punir, sim, e sempre, com respeito
à Constituição e às leis, atendidos o
contraditório e a ampla defesa. Punir
com rigor, sim, e sempre, porém, na
medida da culpa do acusado e, assim,
punir com justiça. Quem pune em
desrespeito à Constituição e à lei,
quem emprega injusto e ilegal rigor
comete crime. Deve ser punido. Deve
ir preso.
DAVID TEIXEIRA DE AZEVEDO, 50, advogado, mestre e
doutor em direito, é professor de direito penal da USP.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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