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São Paulo, terça-feira, 17 de junho de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O meio ambiente e o progresso social

VINOD THOMAS

O Brasil possui a maior área de floresta tropical, a maior biodiversidade, o maior manancial de água doce e um dos mais extensos litorais do mundo. Grande parte desse patrimônio natural ainda conserva a sua integridade, mas o uso não-sustentável desses recursos nas últimas décadas vem causando sua rápida deterioração.
Perguntamo-nos se essa degradação do meio ambiente seria essencial, ou mesmo benéfica, ao crescimento econômico, ou se crescimento e progresso social se favoreceriam mais de uma maior proteção ambiental. No momento em que o Brasil enfrenta a imensa tarefa de reduzir a desigualdade social, uma questão fundamental é se as preocupações com o meio ambiente dificultam ou promovem as prioridades sociais. Há quem veja as perdas ambientais como o preço a pagar pelo rápido crescimento econômico. Entretanto dados referentes ao Brasil e outros países não demonstram correlação entre degradação ambiental e expansão econômica. Ao contrário, os períodos de declínio econômico parecem coincidir com uma maior deterioração ambiental. Maiores cuidados com o meio ambiente em áreas-chave parecem favorecer o crescimento e o progresso social.
Considere-se, por exemplo, o caso da atividade econômica na Amazônia. A maior parte do desmatamento -cerca de 17 mil km2 ao ano, durante os últimos dez anos- resulta da queima da floresta para formação de pastagens. Contudo a pecuária emprega menos de 10% dos 20 milhões de brasileiros que vivem na Amazônia e causa um dano ambiental muito grande, reduzindo os recursos disponíveis para outras atividades menos devastadoras. Muitos dos pobres da região dependem dessas outras atividades: a pesca, a caça e a extração de borracha e de frutos. Incentivos ao uso sustentável da terra, como a promoção de sistemas agro-silvo-pastoris, reflorestamento e manejo florestal podem ser conseguidos através da adoção de um sistema de direitos de propriedade e de instrumentos de gestão ambiental que estimulem práticas mais sustentáveis.
Considerem-se também os custos causados pela degradação ambiental à agricultura e a saúde. No período de 1998/99, o governo gastou cerca de US$ 3,3 bilhões para socorrer cerca de 10 milhões de vítimas da seca no Nordeste. Isso poderia ter sido evitado em parte com uma melhor gestão dos recursos hídricos. Enchentes também são um fenômeno recorrente, agravado pelos incessantes desmatamento e erosão do solo. No Sudeste, os altos níveis de poluição nas áreas metropolitanas têm forçado companhias de abastecimento de água a buscar água potável em regiões distantes dos locais de fornecimento, aumentando os custos de distribuição. Ou seja, além do seu custo ambiental, a poluição da água se traduz em maior custo para os pobres.


Os períodos de declínio econômico parecem coincidir com uma maior deterioração ambiental


Apesar dos óbvios benefícios de um meio ambiente de melhor qualidade, as escolhas são frequentemente difíceis na maioria dos países. O uso sustentável e a preservação não podem prevalecer enquanto ganhos de curto prazo forem apropriados por poucas pessoas e os custos, às vezes muito maiores que os benefícios, afluírem para uma grande e dispersa população. Por esse motivo, ações governamentais para proteger os investimentos no meio ambiente são de grande importância. Além da preservação de áreas críticas, algumas outras prioridades de política pública merecem atenção.
Primeiro, o fornecimento de serviços básicos e educação em áreas com uma densidade populacional relativamente alta melhora a vida das pessoas e desencoraja o seu avanço sobre novas áreas florestais e sobre o litoral, onde esses serviços não existem. Educação e serviços básicos também proporcionam à população técnicas sustentáveis, como novos métodos de extração de madeira com baixo impacto ambiental, que garantem o seu sustento sem danificar o meio ambiente.
Segundo, a criação de direitos de propriedade poderia ser uma forma eficaz e duradoura de contribuir com a proteção do meio ambiente, por meio de incentivos de mercado que alterem o comportamento das pessoas em favor de atividades ambientalmente sustentáveis. O importante é criar incentivos, além de leis e regulamentações, que tornem o uso sustentável dos recursos mais atrativo, principalmente para os que podem obter ganhos imediatos com a má exploração dos mesmos.
Terceiro, um mercado maior para produtos ambientalmente corretos poderia tornar as florestas mais valiosas. A Finlândia e a Costa Rica conseguiram isso, em parte, ao permitirem que as madeireiras rotulassem a madeira extraída sustentavelmente como "certificada ambientalmente". A experiência mostrou que os mercados importadores estão dispostos a pagar um pouco mais por produtos obtidos de forma ambientalmente sustentável.
O Brasil tem feito progressos na promoção da preservação e do uso sustentável do patrimônio natural. Mesmo assim, restam apenas 7% da mata atlântica original; mais de 15% da floresta amazônica já foi destruída e, no cerrado, mais de 50% do bioma foi de alguma forma alterado.
Dada a magnitude de suas desigualdades sociais, o Brasil precisa mobilizar todos os recursos disponíveis e utilizá-los na promoção do avanço social. Aumentar a prioridade para a proteção ambiental, além de beneficiar o meio ambiente, é também uma maneira efetiva de promover o progresso social.

Vinod Thomas, economista, é diretor do Banco Mundial para o Brasil.


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