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RUY CASTRO
Rebeldes da língua
RIO DE JANEIRO - Abgar Renault (1901-1995), um dos nossos
mais subestimados poetas modernos -não necessariamente "modernistas"-, nunca aderiu às reformas ortográficas de 1943 e 1971. Até
morrer, escreveu belezas como
"Quando me sumo na total ausência/ do curso opaco e ascetico do
somno/ e não estou em mais nenhum lugar,/ mil invisiveis cousas
mysteriosas/ talvez ocorram sobre
o chão, pelo ar".
E Abgar não era um amador excêntrico. Era filólogo, um profissional da língua. Foi um dos expoentes
da gloriosa Universidade do Brasil,
chegou a ministro da Educação e
defendeu o Brasil na Unesco. Pois
nem assim. Seus textos em prosa e
poemas aportavam nas editoras
cheios de "yy" e "ph" e eram convertidos para a ortografia vigente.
Ordens de cima, diziam.
Mas sua desobediência civil foi
bonita. Movimento parecido, só
que em massa, está acontecendo
em Portugal, com a recusa dos lusos
a aderir ao "acordo" ortográfico recém-decretado e já em uso no Brasil. Os portugueses não querem dispensar o "c" de "insecto", o "p" de
"Egipto" ou o "h" de "húmido",
além dos tremas e hifens. É como
eles veem a língua, e fazem bem em
defender seu patrimônio.
Aqui no Brasil começam a surgir
sintomas dessa desobediência. O
escritor Reinaldo Moraes, autor do
recém-lançado romance "Pornopopéia", não abriu mão do acento nem
no título. E o também recente "Dicionário Amoroso da Língua Portuguesa", editado por Marcelo Moutinho e Jorge Reis-Sá, com contos,
poemas e ensaios de autores de
Brasil, Portugal, Angola, Moçambique e Timor Leste, é uma aula prática de unidade na diversidade.
Nesse livro, cada autor escreve
como se escreve em seu país. Pois,
para nenhuma surpresa, aqui e
além-mar, entende-se tudo. E por
que não? É a mesma língua portuguesa. Nisso está o seu encanto.
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