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Coca-Cola, a cidade, o silêncio
CLÓVIS ROSSI
São Paulo - Viciado em Coca-Cola,
tomei um baita choque quando piscou
na telinha do computador, anteontem, a primeira informação sobre a
suspensão de vendas na Bélgica (agora já são 12 os países europeus que tomaram a medida cautelar).
Mas o choque logo passou, até porque são tantas as más notícias que
nem dá tempo de parar muito tempo
para pensar em cada um delas.
Até que o torpor foi sacudido pelo
notável artigo do arquiteto Carlos Lemos ontem publicado por esta Folha.
Para quem não leu, resumo a sua
descrição de São Paulo: "Milhares de
sem-teto dormem ao relento. Assaltantes de todas as idades, sem medo
algum, roubam trocados, documentos
e até os carros de motoristas (que esperam tudo ao sair de casa). Há chacinas semanais. Flanelinhas extorquem
com naturalidade. Camelôs e ambulantes atravancam os passeios, os calçadões e até o leito das ruas. (...) Resta
nossa inoperância, como simples espectadores amedrontados e inermes".
O que tem a ver a suspensão de vendas da Coca-Cola na Europa com o
naufrágio de São Paulo? Simples: há
boas razões para suspeitar que, se
ocorresse aqui o que houve lá, a gente
nem ficaria sabendo.
Como não há a menor vigilância sobre a qualidade do que os brasileiros
comem e bebem (ou vestem ou ingerem ou o que quiserem), sempre correm o risco de envenenamento sem
nem sequer dele tomar conhecimento
a posteriori.
Semanas atrás, aliás, a TV noticiou
algumas mortes misteriosas em Santos
e Pernambuco (salvo erro de memória). Como é possível que, nesta altura
do século e do avanço da ciência, ainda haja males misteriosos?
Ou, posto de outra forma, o brasileiro mal chegou ao estágio de consumidor, quanto mais ao de cidadão, que é
uma forma superior.
Não é apenas ao naufrágio de uma
cidade que assistimos "amedrontados
e inermes", como diz Lemos. É também ao roubo contínuo de sonhos e
esperanças, direitos e até deveres.
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