São Paulo, quinta-feira, 17 de julho de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES O STF e a diversidade racial
FLAVIA PIOVESAN
O segundo argumento é de ordem político-social. Se se pretende uma sociedade mais democrática, com a transformação de organizações, políticas e instituições, o título universitário ainda remanesce como um passaporte para a ascensão social e para a democratização das esferas de poder, com o "empoderamento" dos grupos historicamente excluídos. Para ampliar o número de afrodescendentes juízes, advogados, procuradores, médicos etc., o título universitário é essencial. Acentua-se, ainda, que os afrodescendentes constituem menos de 2% dos estudantes nas universidades públicas brasileiras, embora sejam 45% da população do país. A pirâmide dos estudantes universitários brasileiros aponta na sua base os negros provenientes das escolas públicas, seguidos dos brancos das escolas públicas, por sua vez seguidos dos negros de escolas privadas e tendo em seu ápice os brancos de escolas privadas. As ações afirmativas, enquanto medidas especiais e temporárias, simbolizariam medidas compensatórias, destinadas a aliviar o peso de um passado discriminatório. Significariam, ainda, uma alternativa para enfrentar a persistência da desigualdade estrutural que corrói a realidade brasileira. Além disso, permitiriam a concretização da justiça em sua dupla dimensão: redistribuição (mediante a justiça social) e reconhecimento de identidades (mediante o direito à visibilidade de grupos excluídos). Por fim, há o argumento jurídico, pois a ordem constitucional, somada aos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos ratificados pelo Brasil, acolhem não apenas o valor da igualdade formal, mas também da igualdade material. Reconhecem que não basta proibir a discriminação, sendo necessário também promover a igualdade, por meio de ações afirmativas. Além disso, a Constituição de 1988 estabelece o princípio do pluralismo no campo do ensino e consagra, como objetivo fundamental da República, a construção de uma sociedade justa e solidária, com a redução das desigualdades sociais -o que confere lastro jurídico aos demais argumentos já expostos. Se, ao longo de nossa história, para os grupos vulneráveis a raça sempre foi um critério de exclusão, que seja hoje um critério de inclusão da população afrodescendente. Ao STF cabe o desafio de consolidar e fortalecer esse avanço emancipatório: afirmar os valores da diversidade, dignidade e inclusão social, permitindo a metade da população brasileira o pleno exercício de seus direitos, na construção de uma sociedade mais aberta, plural, igualitária e democrática. Flavia Piovesan, 34, professora de direitos humanos do Programa de Pós-Graduação da PUC-SP, é procuradora do Estado de São Paulo e membro do Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Cesar Maia: O PT, o mercado e o Estado Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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