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No colchão
Não é ilegal, mas soa um tanto heterodoxo o hábito
de diversos candidatos de guardar em suas residências elevadas somas em espécie
Por "razões de segurança", um
candidato a deputado federal pelo
PC do B declara guardar R$ 284
mil em dinheiro vivo, dentro de
casa. Não se trata, ao que consta,
de alguém que ignore os riscos
múltiplos do furto, do assalto e da
invasão de domicílio. Conhece
igualmente os perigos da calúnia,
da armação de dossiês, das denúncias, fundamentadas ou não,
a respeito de caixa dois.
Trata-se do delegado Protógenes Queiroz, que segue nesse aspecto o comportamento de muitos
outros candidatos com os quais,
teoricamente, apresenta poucos
pontos em comum. De Orestes
Quércia (PMDB, R$ 1,278 milhão)
a Dilma Rousseff (PT, R$ 113 mil),
passando por Aloysio Nunes Ferreira (PSDB, R$ 50 mil), são vários
os candidatos a cargos eletivos
que têm declarado à Justiça Eleitoral sua adesão ao mais anacrônico
dos sistemas de poupança.
Não há nada de ilegal no procedimento, que pode ser útil para
ajustes contábeis em declarações
de bens. Segundo o delegado Protógenes, a cautela se baseia na
desconfiança frente aos mecanismos de transação bancária.
Já o candidato a governador do
Distrito Federal Joaquim Roriz
(PSC) guarda R$ 160 mil em casa
porque, de acordo com sua assessoria, precisa providenciar pagamentos em espécie na administração de suas propriedades rurais.
Uma vez comprovada a origem
de tais recursos, não há -repita-se- nada de errado no procedimento. Naturalmente, a tarefa de
investigar de onde proveio e de
que forma evolui o montante declarado pelos candidatos tende a
ser bem mais difícil.
Num ambiente em que a produção de dossiês e a troca de denúncias se tornou rotineira -"et pour
cause"-, qualquer político, tenha
ou não culpa no cartório, está exposto ao abuso e à devassa.
As precauções que toma quanto
a isso, entretanto, têm o efeito de
aumentar ainda mais a suspeição
que os cerca, especialmente quando adquirem -numa coincidência notável- um caráter tão heterodoxo quanto o de manter dinheiro debaixo do colchão.
O montante dessas economias,
diga-se de qualquer modo, é relativamente modesto. Quando se sabe que o custo oficial das campanhas de José Serra e Dilma Rousseff está calculado em torno de R$
180 milhões e R$ 157 milhões, respectivamente, as razões de preocupação se multiplicam.
O porte de financiamentos desse gênero pode, por si só, inspirar
algum movimento de repugnância -tal a dimensão dos compromissos que supõe por parte dos
candidatos com fontes de recursos que estão longe de serem pulverizadas pelo conjunto de seus
apoiadores na sociedade.
As suspeitas que isso ocasiona,
como se sabe, são grandes demais
para sumir debaixo de um colchão; exigem, sem dúvida, técnicas mais sofisticadas de despiste e
de ocultamento.
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