São Paulo, sábado, 17 de julho de 2010

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Editoriais

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No colchão

Não é ilegal, mas soa um tanto heterodoxo o hábito de diversos candidatos de guardar em suas residências elevadas somas em espécie

Por "razões de segurança", um candidato a deputado federal pelo PC do B declara guardar R$ 284 mil em dinheiro vivo, dentro de casa. Não se trata, ao que consta, de alguém que ignore os riscos múltiplos do furto, do assalto e da invasão de domicílio. Conhece igualmente os perigos da calúnia, da armação de dossiês, das denúncias, fundamentadas ou não, a respeito de caixa dois.
Trata-se do delegado Protógenes Queiroz, que segue nesse aspecto o comportamento de muitos outros candidatos com os quais, teoricamente, apresenta poucos pontos em comum. De Orestes Quércia (PMDB, R$ 1,278 milhão) a Dilma Rousseff (PT, R$ 113 mil), passando por Aloysio Nunes Ferreira (PSDB, R$ 50 mil), são vários os candidatos a cargos eletivos que têm declarado à Justiça Eleitoral sua adesão ao mais anacrônico dos sistemas de poupança.
Não há nada de ilegal no procedimento, que pode ser útil para ajustes contábeis em declarações de bens. Segundo o delegado Protógenes, a cautela se baseia na desconfiança frente aos mecanismos de transação bancária.
Já o candidato a governador do Distrito Federal Joaquim Roriz (PSC) guarda R$ 160 mil em casa porque, de acordo com sua assessoria, precisa providenciar pagamentos em espécie na administração de suas propriedades rurais.
Uma vez comprovada a origem de tais recursos, não há -repita-se- nada de errado no procedimento. Naturalmente, a tarefa de investigar de onde proveio e de que forma evolui o montante declarado pelos candidatos tende a ser bem mais difícil.
Num ambiente em que a produção de dossiês e a troca de denúncias se tornou rotineira -"et pour cause"-, qualquer político, tenha ou não culpa no cartório, está exposto ao abuso e à devassa.
As precauções que toma quanto a isso, entretanto, têm o efeito de aumentar ainda mais a suspeição que os cerca, especialmente quando adquirem -numa coincidência notável- um caráter tão heterodoxo quanto o de manter dinheiro debaixo do colchão.
O montante dessas economias, diga-se de qualquer modo, é relativamente modesto. Quando se sabe que o custo oficial das campanhas de José Serra e Dilma Rousseff está calculado em torno de R$ 180 milhões e R$ 157 milhões, respectivamente, as razões de preocupação se multiplicam.
O porte de financiamentos desse gênero pode, por si só, inspirar algum movimento de repugnância -tal a dimensão dos compromissos que supõe por parte dos candidatos com fontes de recursos que estão longe de serem pulverizadas pelo conjunto de seus apoiadores na sociedade.
As suspeitas que isso ocasiona, como se sabe, são grandes demais para sumir debaixo de um colchão; exigem, sem dúvida, técnicas mais sofisticadas de despiste e de ocultamento.


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