São Paulo, sábado, 17 de julho de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Judiciário deve evitar o encarceramento de jovens?

NÃO

Internar é melhor do que reduzir maioridade

ROBERTO DELMANTO

No campo jurídico, há dois diplomas dos quais podemos nos orgulhar: a Constituição da República de 1988, principalmente no que concerne aos direitos individuais, e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que agora completa 20 anos. Ambos estão entre os mais avançados da nossa época.
O ECA, contudo, vem sofrendo críticas por parte de estudiosos e idealistas, preocupados com o aumento, verificado nos últimos anos, dos casos de internação, a mais grave das medidas socioeducativas previstas.
Preconizam eles sua limitação a determinados crimes, por meio de uma reforma do ECA. Privativa da liberdade, a internação não tem um prazo mínimo, mas apenas o máximo de três anos, com reavaliação obrigatória a cada seis meses e liberação compulsória aos 21 anos de idade do menor.
Em São Paulo, na Fundação Casa, que sucedeu a Febem, de triste memória, nas Unidades de Internação (UI) os internos recebem aulas de 1º e 2º graus, ou mesmo alfabetização, ministradas por professores estaduais; praticam atividades físicas, têm atendimento médico, psicológico e assistência social; podem ser visitados semanalmente pelos familiares.
É verdade que a liberdade é e será sempre um bem maior. Mas os juízes das varas da infância e da juventude só determinam a internação quando inexiste outra alternativa, seja pela gravidade do ato infracional, seja pela reincidência ou habitualidade, ou mesmo pela total ausência de estrutura familiar.
E, se as internações aumentaram, é porque a delinquência juvenil, e o "uso" dos menores pelos marginais maiores infelizmente também cresceram...
Na contramão do movimento que visa limitar, legalmente, os casos de internação, retirando do juiz a necessária discricionariedade para avaliar cada caso, sempre visando o bem do menor, há aqueles que defendem a redução da maioridade penal, dos atuais 18 anos para 16.
Entretanto, a maioridade penal aos 18 anos não foi escolhida aleatoriamente por nosso legislador e pela maioria dos países civilizados.
Ela resultou de estudos médicos, psicológicos e sociais que mostram que, antes dessa idade, carecem os jovens da necessária maturidade.
Essa conclusão, a meu ver, continua válida, não obstante a mudança dos costumes, a comunicação global, o ingresso precoce na vida adulta e a proliferação das drogas, batalha até hoje perdida em todo o mundo, urgindo mudar a atual estratégia repressora...
Entre esses dois interesses relevantes que se chocam -de um lado, a necessidade social de segurança e, do outro, a proteção dos menores -, acho preferível que, em casos excepcionais, em face da alta gravidade do ato infracional, da não recuperação do menor, da sua comprovada periculosidade e da absoluta falta de amparo e/ou estrutura familiar, sempre por decisões fundamentadas e após ampla defesa, a internação possa ser maior do que os atuais três anos, indo, por exemplo, até cinco, ainda que o interno venha a completar 21.
Ao mesmo tempo, é preciso penalizar mais duramente os maiores que "usam" menores para perpetrar crimes. Diante desse panorama, estou convicto, após mais de quatro décadas de advocacia criminal, que a internação é um mal menor do que a redução da maioridade penal.


ROBERTO DELMANTO é advogado criminalista e coautor de "Código Penal Comentado" (8ª edição, Saraiva, 2010), entre outras obras. Foi membro do Conselho de Política Criminal e Penitenciária do Estado de São Paulo e do Ilanud (Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente).

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


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