São Paulo, terça-feira, 17 de agosto de 2004 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Liberdade e disciplina
MIGUEL REALE JÚNIOR
O mesmo deve ocorrer com o órgão de classe dos jornalistas. Tal se justifica dado que o jornalista deve, como o advogado, estar revestido de toda a liberdade, pois em sua missão de informar não apenas revela fatos, mas vai mais longe ao interpretá-los e criticá-los, buscando as razões aparentes e as verdadeiras dos atos da administração pública. É função do jornalista denunciar os acontecimentos nocivos, ilícitos ou imorais, ou elogiá-los, se positivos no atendimento a necessidades políticas ou econômico-sociais da população. Não pode, portanto, haver submissão hierárquica do conselho profissional dos jornalistas ao Ministério do Trabalho. Por outro lado, a Ordem dos Advogados não se imiscui na fiscalização ou orientação do exercício profissional, limitando-se a atuar na repressão às infrações éticas constantes do próprio estatuto e do código de ética. Igualmente, não deve o jornalista estar sujeito à orientação e à fiscalização (fiscalizar, conforme o dicionário "Aurélio", é vigiar, sindicar, examinar) por parte do órgão de classe, no exercício de sua profissão. Disciplina, sim; orientação e fiscalização, não, como propõe o projeto de lei. Há um código de ética dos jornalistas ainda sem eficácia exatamente por falta de uma ordem legal da profissão. O código de ética deve integrar a lei, estatuindo-se claramente as sanções aplicáveis a cada infração. É importante haver uma disciplina da profissão em defesa do interesse público e da revelação correta dos fatos, punindo-se, por exemplo, as deturpações e manipulações dolosas da verdade, como preceitua o art. 7º do Código de Ética. Nada ofende a liberdade de imprensa um estatuto do jornalista que dê eficácia ao Código de Ética, do qual constem regras objetivas de comportamento, cujo desrespeito venha a ser objeto de apreciação por seus pares, legitimamente eleitos. Mas a liberdade de informar e criticar exige que não se vá além de disciplinar, sem pretensões de orientar ou fiscalizar. Outra falha do projeto está em não fixar as regras de composição e eleição dos membros do Conselho Federal e dos conselhos regionais. O projeto peca por ser largamente omisso, deixando para o Conselho Federal Provisório o preenchimento normativo nas hipóteses de lacuna, que são muitas. Uma questão que causa estranheza está na referência, acrescentada, na Casa Civil, ao texto oriundo do Ministério do Trabalho, estabelecendo como objeto do conselho o controle da atividade de jornalismo ao lado da disciplina da profissão de jornalista. O que se pretende dizer com a atividade de jornalismo? Em passo nenhum do projeto se define o que seja. Se a pretensão é fiscalizar e controlar as empresas jornalísticas, por meio de um conselho de jornalistas, estão-se misturando alhos com bugalhos, pois uma atividade econômica regida por legislação própria, as leis de imprensa e de concessões de telecomunicações, não pode ser objeto de orientação, disciplina e fiscalização de órgão profissional que não a integra e não a representa. E como a lei é omissa, caberá ao conselho suprir a lacuna, para dizer o que é atividade de jornalismo, bem como quais as regras que essa atividade deve seguir. Faz falta um Estatuto do Jornalista, mas a proposta ora em exame exige modificações importantes, que se espera venham a ser produzidas pelo Congresso Nacional. Miguel Reale Júnior, 60, advogado, sócio da Reale Advogados Associados, é professor titular da Faculdade de Direito da USP. Foi secretário da Segurança Pública (governo Montoro) e da Administração (governo Covas) do Estado de São Paulo e ministro da Justiça (governo Fernando Henrique Cardoso). Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Carlos de Meira Mattos: "Inteligência" versus terrorismo Índice |
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