São Paulo, quinta-feira, 17 de agosto de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

As armadilhas explosivas da segurança pública

CLAUDIO BEATO

SERIA O PCC um movimento terrorista? Ou estamos diante de um novo patamar do crime organizado, em que se utilizam métodos ousados de intimidação institucional? Essas perguntas têm sido incessantemente debatidas nesses dias, e o exemplo recente da Colômbia, invocado em ambas as hipóteses. Vale relembrar rapidamente o que ocorreu lá. As Farcs surgiram entre os camponeses em reação a ações do Exército colombiano para a retomada de uma região na selva que estaria dominada por bandoleiros. A reação dos camponeses, que não compreenderam a agressão do Exército, foi imediata. Os poucos guerrilheiros que inicialmente compunham a força sob a liderança de Marulanda terminaram se tornando um exército de inspiração marxista a controlar largas parcelas do território colombiano.


Estamos num novo patamar do crime, sem dúvida, embora não esteja muito claro se de ação dessas quadrilhas ou se de reação


Os cartéis das drogas, por sua vez, tiveram em Pablo Escobar, líder do cartel de Medellín, sua figura mais emblemática. Em seu período mais próspero, dedicava-se a obras sociais -construiu um bairro inteiro para pobres. Com o comércio da cocaína, tornou-se uma das pessoas mais ricas do mundo, segundo a "Forbes" da época, elegendo-se deputado e tendo participado inclusive da posse do Felipe Gonzáles, na Espanha, em 1982. Logo a seguir, passou a ser rechaçado pela elite política colombiana. A Justiça, então, iniciou processo de pressão, ameaçando os cartéis com o instituto da extradição para os Estados Unidos, e, com isso, começou um dos períodos mais sombrios de violência, com assassinatos de juízes, ministros e um candidato favorito a presidente, explosões de shoppings e vôos comerciais, vitimando milhares de inocentes e civis. Algo parecido com nossa situação? Muito pouco. Falta ao PCC o componente ideológico da guerrilha colombiana, embora alguns digam que de ideológico as Farcs nada tem já há muitos anos, curvados que estão ao poderio do dinheiro proveniente da narcoguerrilha. Tampouco detém o poderio econômico e a capacidade de destruição dos cartéis, que ameaçaram efetivamente as instituições e o próprio Estado na Colômbia. Não se trata de uma guerra, pois o PCC, como de resto outros fenômenos similares, tem origem nas várias armadilhas explosivas que montamos ao longo de todos esses anos de negligência com a segurança pública. As prisões são uma delas. Mas a questão é mais complexa. Não podemos falar no controle do crime sem tocar na questão urbana e da exclusão espacial com a qual a violência está estreitamente vinculada. Não se pode discutir apenas a inadequada legislação penal brasileira sem pensarmos em políticas para os jovens que vivem na periferia da sociedade brasileira, em áreas e situações de risco de envolvimento com a violência. Temos a necessidade urgente de reformas das polícias brasileiras no sentido de aumentar não só a eficiência mas também o grau de controle de suas atividades. É inadmissível o número de arbitrariedades e execuções praticadas por elas, atestando a incompetência das soluções extralegais, que só têm piorado a situação. Estamos em um novo patamar do crime, sem dúvida, embora não esteja muito claro se de ação dessas quadrilhas ou se de reação. A estratégia puramente repressiva, seja fora, seja no interior das prisões, é uma das causas desse tipo de movimento, tal como atestam reiteradamente suas lideranças em vários de seus comunicados. Trata-se de uma espécie de lei da ação e reação newtoniana aplicada à criminologia, segundo a qual bandidos, diante da inexorabilidade de seus destinos, reagem com a virulência e a ousadia dos que não têm nada a perder. Poderia ser pior. E será, se não soubermos desarmar os diversos gatilhos espalhados no interior das agências de nossa Justiça criminal, na forma de desenvolvimento que adotamos para nossos centros urbanos, e na maneira como estamos tratando nossos jovens e adolescentes. Sobretudo se continuarmos com a politização e troca leviana de acusações entre os diversos níveis de governo, que tentam ocultar uma mal disfarçada e inconfessável falta de imaginação para lidar de forma responsável com a grave situação da segurança pública em nosso país.
CLAUDIO BEATO , 49, é professor do Departamento de Sociologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e coordenador do Crisp (Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública), da mesma universidade.


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