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TENDÊNCIAS/DEBATES
A Amazônia não está à venda
CELSO AMORIM, SERGIO REZENDE e MARINA SILVA
Os que se preocupam com o clima do planeta deveriam se dedicar a influenciar seus governos. Da Amazônia nós estamos cuidando
COM FREQÜÊNCIA vemos circularem notícias sobre interesses
de pessoas, entidades ou mesmo governos estrangeiros com relação à região amazônica. Recentemente, surgiram no exterior iniciativas
com o objetivo de adquirir terras na
Amazônia para fins de conservação
ambiental ligadas à preocupação com
o fenômeno da mudança do clima e ao
possível papel do desmatamento nesse processo.
São propostas que desconhecem a
realidade da floresta amazônica. Ignoram também importantes dados
científicos.
A mudança do clima é um problema real ao qual o Brasil atribui grande
importância. Há consenso mundial
de que o fenômeno está sendo acelerado pela ação humana. É um processo cumulativo, resultado da concentração progressiva de gases de efeito
estufa na atmosfera nos últimos 150
anos. Assim, focar a atenção especialmente nas atuais emissões é errado e
injusto. Alguns dos atuais emissores
-sobretudo os países emergentes-
têm pouca ou nenhuma responsabilidade pelo aquecimento global, cujos
efeitos começamos a sentir.
A causa principal da mudança do
clima é conhecida: pelo menos 80%
do problema tem origem na queima
de combustíveis fósseis -especialmente carvão e petróleo- a partir de
meados do século 19. Apenas pequena
parcela resulta das mudanças no uso
da terra, incluindo o desmatamento.
O desmatamento atual em escala
global é preocupante por várias razões, mas o foco do combate à mudança do clima deve ser a alteração da
matriz energética e o uso mais intensivo de energias limpas. A Convenção
do Clima e seu Protocolo de Kyoto
são claros: àqueles que causaram o
problema (os países industrializados)
cabem metas mandatórias de reduções e a obrigação de agir primeiro.
Embora não tenha metas mandatórias de redução por pouco ter contribuído para o problema, o Brasil está
fazendo sua parte. Possuímos uma
das matrizes energéticas mais limpas
do mundo. Nossos programas de biocombustível são exemplo para outros
países. Contribuímos, dessa forma,
para o desenvolvimento sustentável
da sociedade brasileira e para a redução global das emissões de gases de
efeito estufa.
O Brasil está, ainda, implementando uma política integrada de combate
ao desmatamento. Trata-se de esforço multissetorial e de longo prazo,
com ações de valorização da floresta
em pé e de apoio ao desenvolvimento
socioeconômico das comunidades
que dela dependem.
Nos últimos anos, conseguimos importante redução das taxas de desmatamento. Em 2004-2005, a redução
confirmada foi de 32%, ao que se somam, segundo dados preliminares,
mais 11% no período 2005-2006. São
resultados significativos, mas os esforços para uma redução permanente
do desmatamento devem continuar.
O manejo sustentável de florestas é,
em todo o mundo, um campo propício à cooperação, por meio do intercâmbio de experiências e do auxílio
na capacitação técnica. Estamos
abertos a essa cooperação, sempre no
estrito respeito às nossas leis e à nossa soberania.
O Brasil participa ativamente dos
debates internacionais sobre florestas. No âmbito da Convenção do Clima, apresentaremos, em novembro
próximo, na Conferência de Nairóbi,
proposta que visa promover incentivos aos esforços nacionais voluntários de redução das taxas de desmatamento. Acreditamos que essa é uma
forma adequada de os países desenvolvidos apoiarem a conservação das
florestas tropicais.
A proposta é mais uma contribuição do Brasil para o esforço comum
de redução global de emissões de gases de efeito estufa. A sociedade brasileira não aceita mais os padrões insustentáveis de desenvolvimento que
levaram, em todo o mundo, a perdas
ambientais irreparáveis. O Brasil espera que os países industrializados,
responsáveis pelo problema, cumpram suas obrigações de redução de
emissões.
Aqueles indivíduos bem-intencionados que, com razão, se preocupam
com o clima do planeta deveriam dedicar-se a influenciar seus próprios
governos no sentido da mudança de
padrões insustentáveis de produção e
consumo e da utilização de energias
renováveis. Nessa área, o Brasil tem
muito a oferecer em conhecimento e
tecnologia.
Da Amazônia nós estamos cuidando de acordo com modelos de desenvolvimento baseados em princípios
de sustentabilidade definidos pela sociedade brasileira. A Amazônia é um
patrimônio do povo brasileiro, e não
está à venda.
CELSO AMORIM, 64, diplomata, doutor em ciências políticas pela London School of Economics (Inglaterra), é o
ministro das Relações Exteriores.
SERGIO MACHADO REZENDE, doutor em física pelo MIT
(EUA), é o ministro da Ciência e Tecnologia.
MARINA SILVA, 48, historiadora, senadora pelo PT-AC, é
a ministra do Meio Ambiente.
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