São Paulo, sábado, 17 de outubro de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Universidades públicas deveriam adotar o sistema de eleições diretas para reitor?

NÃO

Uma universidade não é um país

ROBERTO LEAL LOBO E SILVA FILHO

APROXIMA-SE o pleito que irá escolher o novo reitor da USP.
Neste momento de confronto de ideias típicas das campanhas políticas majoritárias voltam à baila questões relativas às formas de eleição da mais importante universidade brasileira, que, segundo levantamento da Universidade de Xangai Jiao Tong, na China, é a melhor colocada no item "qualidade acadêmica" dentre todas as latino-americanas.
Os princípios da democracia política que o Brasil vive nos fazem acreditar que o voto direto pode ser a solução de todos os problemas, até das universidades públicas. Seria, então, a eleição direta para reitor um fator determinante para a melhoria da qualidade de uma universidade pública?
Essa questão esbarra inevitavelmente na compreensão de que uma universidade pública deve ser instituição autônoma, mas não soberana como um país democrático, em que representantes são eleitos por todos e suas decisões incidem sobre todos.
No serviço público, os efeitos de decisões equivocadas de poucos recaem sobre a população como um todo, e não só sobre a sua comunidade interna. Não faria o menor sentido se, para facilitar seu trabalho, os funcionários dos Correios decidissem, por maioria, não entregar cartas em dias ímpares.
O sentido da democracia no setor público é a busca da excelência em seus serviços, uma vez que a sociedade é quem o financia e sofre por causa de seus equívocos e ineficiências.
Por essa razão, talvez, é que, dentre as 50 universidades mais bem colocadas na classificação já citada -e que coincide com o senso comum em relação às melhores universidades do mundo-, a eleição direta não é prática adotada para a escolha do reitor.
Dentre elas, 37 são americanas. Nelas, o processo de eleição do reitor é feito por um comitê composto por representantes de segmentos da sociedade, alguns externos ao corpo acadêmico.
Em enquete realizada pelo professor Jacques Marcovitch, ex-reitor da USP, boas universidades estrangeiras consultadas manifestaram-se contra o modelo de eleições diretas.
É importante que a comunidade acadêmica, a imprensa e a sociedade reflitam sobre esse fato e não tomem como óbvio o argumento de que aquilo que se denomina "democratização", representada pelo voto direto, induz automática melhoria da qualidade das atividades acadêmicas. A realidade mundial contradiz tal tese, que não tem fundamento empírico.
Ao concluir que a eleição direta não é fator intrínseco de qualidade para as universidades, ao contrário do que pregam seus defensores, essa tese, tida como uma conquista, não esconderia uma visão corporativista de universidade voltada para si mesma?
Equivocadamente, entendeu-se a autonomia universitária no Brasil como a absoluta ausência de prestação de contas, na contramão da experiência internacional. Lá fora, cobram-se resultados acadêmicos e administrativo-financeiros das universidades, indicadores que se refletem, cada vez mais, em seus próprios orçamentos.
Infelizmente, nossas universidades ainda não desenvolveram processos profundos de avaliação, inclusive da gestão e com forte participação externa, que sejam capazes de gerar consequências internas significativas.
Se houvesse um efetivo acompanhamento da sociedade em relação à missão das universidades, a metas e resultados e ao impacto social de suas ações, a forma de eleição seria menos relevante, uma vez que maus resultados seriam cobrados da comunidade interna, e decisões corporativistas que não levassem em conta os interesses da sociedade seriam coibidas.
Nas instituições brasileiras que hoje promovem eleições diretas, é comum ouvir dos gestores eleitos que, em virtude dos compromissos eleitorais, se veem limitados a fazer concessões políticas que impedem as mudanças necessárias.
Em vista disso, para que a escolha de seus dirigentes seja mais do que uma decisão politicamente correta ou um fim em si mesmo, é preciso que a gestão da universidade seja capaz de induzir melhores resultados, garantir a qualidade dos processos internos e a defesa da meritocracia acadêmica.


ROBERTO LEAL LOBO E SILVA FILHO , 71, professor titular aposentado e ex-reitor da USP (1990-1993) e da Universidade de Mogi das Cruzes (1996-1999), foi diretor do CNPq e é presidente do Instituto Lobo para o Desenvolvimento da Educação, da Ciência e da Tecnologia.

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