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TENDÊNCIAS/DEBATES
Universidades públicas deveriam adotar
o sistema de eleições diretas para reitor?
NÃO
Uma universidade não é um país
ROBERTO LEAL LOBO E SILVA FILHO
APROXIMA-SE o pleito que irá
escolher o novo reitor da USP.
Neste momento de confronto
de ideias típicas das campanhas políticas majoritárias voltam à baila questões relativas às formas de eleição da
mais importante universidade brasileira, que, segundo levantamento da
Universidade de Xangai Jiao Tong, na
China, é a melhor colocada no item
"qualidade acadêmica" dentre todas
as latino-americanas.
Os princípios da democracia política que o Brasil vive nos fazem acreditar que o voto direto pode ser a solução de todos os problemas, até das
universidades públicas. Seria, então, a
eleição direta para reitor um fator determinante para a melhoria da qualidade de uma universidade pública?
Essa questão esbarra inevitavelmente na compreensão de que uma
universidade pública deve ser instituição autônoma, mas não soberana
como um país democrático, em que
representantes são eleitos por todos e
suas decisões incidem sobre todos.
No serviço público, os efeitos de decisões equivocadas de poucos recaem
sobre a população como um todo, e
não só sobre a sua comunidade interna. Não faria o menor sentido se, para
facilitar seu trabalho, os funcionários
dos Correios decidissem, por maioria,
não entregar cartas em dias ímpares.
O sentido da democracia no setor
público é a busca da excelência em
seus serviços, uma vez que a sociedade é quem o financia e sofre por causa
de seus equívocos e ineficiências.
Por essa razão, talvez, é que, dentre
as 50 universidades mais bem colocadas na classificação já citada -e que
coincide com o senso comum em relação às melhores universidades do
mundo-, a eleição direta não é prática adotada para a escolha do reitor.
Dentre elas, 37 são americanas. Nelas,
o processo de eleição do reitor é feito
por um comitê composto por representantes de segmentos da sociedade,
alguns externos ao corpo acadêmico.
Em enquete realizada pelo professor Jacques Marcovitch, ex-reitor da
USP, boas universidades estrangeiras
consultadas manifestaram-se contra
o modelo de eleições diretas.
É importante que a comunidade
acadêmica, a imprensa e a sociedade
reflitam sobre esse fato e não tomem
como óbvio o argumento de que aquilo que se denomina "democratização", representada pelo voto direto,
induz automática melhoria da qualidade das atividades acadêmicas. A
realidade mundial contradiz tal tese,
que não tem fundamento empírico.
Ao concluir que a eleição direta não
é fator intrínseco de qualidade para as
universidades, ao contrário do que
pregam seus defensores, essa tese, tida como uma conquista, não esconderia uma visão corporativista de universidade voltada para si mesma?
Equivocadamente, entendeu-se a
autonomia universitária no Brasil como a absoluta ausência de prestação
de contas, na contramão da experiência internacional. Lá fora, cobram-se
resultados acadêmicos e administrativo-financeiros das universidades,
indicadores que se refletem, cada vez
mais, em seus próprios orçamentos.
Infelizmente, nossas universidades
ainda não desenvolveram processos
profundos de avaliação, inclusive da
gestão e com forte participação externa, que sejam capazes de gerar consequências internas significativas.
Se houvesse um efetivo acompanhamento da sociedade em relação à
missão das universidades, a metas e
resultados e ao impacto social de suas
ações, a forma de eleição seria menos
relevante, uma vez que maus resultados seriam cobrados da comunidade
interna, e decisões corporativistas
que não levassem em conta os interesses da sociedade seriam coibidas.
Nas instituições brasileiras que hoje promovem eleições diretas, é comum ouvir dos gestores eleitos que,
em virtude dos compromissos eleitorais, se veem limitados a fazer concessões políticas que impedem as mudanças necessárias.
Em vista disso, para que a escolha
de seus dirigentes seja mais do que
uma decisão politicamente correta ou
um fim em si mesmo, é preciso que a
gestão da universidade seja capaz de
induzir melhores resultados, garantir
a qualidade dos processos internos e a
defesa da meritocracia acadêmica.
ROBERTO LEAL LOBO E SILVA FILHO , 71, professor titular aposentado e ex-reitor da USP (1990-1993) e da Universidade de Mogi das Cruzes (1996-1999), foi diretor do
CNPq e é presidente do Instituto Lobo para o Desenvolvimento da Educação, da Ciência e da Tecnologia.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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