São Paulo, domingo, 17 de outubro de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Dilma é garantia do processo democrático

GIUSEPPE COCCO


É só no governo de Dilma que poderemos continuar lutando para transformar o crescimento em um outro tipo de desenvolvimento

O medíocre desempenho eleitoral de José Serra nesse primeiro turno é consequência do esgotamento do discurso tecnocrático que, durante a breve hegemonia da macroeconomia neoliberal, tinha funestamente reanimado os mornos interesses das elites brasileiras.
Por trás da hipocrisia deslavada (até com a demonização dos direitos das mulheres), só resta a linguagem insensata do fundamentalismo economicista: o Brasil é um "custo" a ser "cortado". É a apologia dos meios (cortes dos custos) contra os fins (todos os brasileiros).
A vitória parcial, mas expressiva, de Dilma Rousseff contém muitos dos elementos inovadores desses oito anos de governo Lula: distribuição de renda, políticas culturais, democratização do ensino superior, formidável criação de empregos formais, demarcação das reservas indígenas e, enfim, uma política externa autônoma.
Contudo, na campanha do PT há também acentos do velho adágio: os fins justificam os meios. O crescimento (os meios) não precisa ser pensado, pois é justificado pelo fim (o desenvolvimento): uma siderúrgica se justifica por si.
A candidatura de Marina Silva foi o fato novo quando ela teve a coragem de dizer que os fins e os meios devem estar juntos. Cultura (desenvolvimento) e natureza não devem se opor, mas qualificar-se reciprocamente, na hibridização que eles são: natureza artificial e artifício natural!
Mas o modo como a "onda verde" juntou os jovens urbanos libertários aos piores fundamentalismos foi dramaticamente paradoxal: os meios e os fins acabaram se opondo entre si, de maneira insustentável.
O segundo turno desenha uma nítida alternativa. Por um lado, uma "coalizão dos meios" se apresenta como novo fundamentalismo abertamente reacionário. Seu regime discursivo é aquele do medo.
Não se sabe o preço social que todos pagaremos pelo leilão de paixões tristes (machismo, sexismo, racismo) atiçado pelos que nada têm a propor, a não ser uma virada protofascista.
Pelo outro lado, a "coalizão dos fins" pode se juntar aos meios e tornar-se sustentável diante dos novos desafios.
Se o capitalismo global inclui (explora) os pobres enquanto pobres fragmentos heterogêneos em competição no mercado, os pobres se organizam cada vez mais enquanto diferenças: favelados, negros, mestiços, mulheres, indígenas, quilombolas, gays, lésbicas, sem terra.
É aqui, nos pobres, que desenvolvimento e natureza estão juntos e o voto ecologista mantém sua potência. Para não ser capturada, a novidade da candidatura Marina deve apostar na democrática hibridização do social ("cultura") e da natureza (meio ambiente), ou seja, na junção da resistência contra a volta da "peste neoliberal" com as políticas dos pobres.
É só no governo de Dilma que poderemos continuar lutando para transformar a quantidade (o crescimento) em qualidade (um outro tipo de desenvolvimento). A sustentabilidade é aquela da mestiçagem das ondas vermelha e verde, para além de e contra os fundamentalismos.


GIUSEPPE COCCO, cientista político, doutor em história social pela Universidade de Paris, é professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É autor, entre outras obras, de "MundoBraz: O Devir Brasil do Mundo e o Devir Mundo do Brasil".

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