São Paulo, quinta-feira, 17 de novembro de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Entreatos

CESAR MAIA

O filme "Entreatos", do documentarista João Moreira Salles, deveria estar sendo distribuído normalmente e conforme programado. A suspensão de sua circulação, por decisão de seu diretor, é um ato de censura, mesmo que de autocensura.
A alegação de que os escândalos que vieram depois de maio produziriam uma nova leitura do documentário é inadmissível. Se a equipe de Lula, que o ajudou a chegar ao poder, é a mesma com que governou e governa, o excelente documentário nos mostra sua verdadeira natureza. O autor não é dono da opinião das pessoas e das interpretações que seu trabalho possa produzir. Se ele impede sua exibição nos cinemas, temendo as vaias e os risos, e diz que sua circulação em DVD só virá quando o tempo fizer os fatos atuais serem esquecidos, atua como qualquer censor.


A alegação de que os escândalos produziriam uma nova leitura do documentário é inadmissível


O direito de ver o que foi feito -e já exibido- é de todas as pessoas. De outra forma, estaríamos em uma situação de censura política exatamente igual a tantas outras que aqui e alhures ocorreram. Seria até o caso de exigir na Justiça a suspensão da censura, independentemente da vontade política do cineasta.
Nem quero avançar até o ponto de ter acesso a todo o material produzido, o que certamente seria um prato feito para os que analisam e investigam os fatos "mensalônicos". Mas, aí, sim, é um direito do autor, pois sua obra é o produto da edição que fez. No entanto, uma vez tornada pública, a obra é de todos, que devem ter a liberdade de a ela assistir e de sobre ela opinar.
O filme mostra o papel central -e a autoridade- que Duda Mendonça tinha na campanha. Mostra o fascínio de Lula por ele, repetindo críticas que Duda fazia aos militantes do PT. Se depois soubemos a forma como o marqueteiro foi pago, por meio de conta no exterior, o fato é que isso já estava ocorrendo ou já tinha ocorrido naquele momento. O cineasta, obviamente, nada sabia, o que só aumenta a importância do olho neutro da câmera ao documentar os fatos.
Se alguns políticos, inclusive a senadora futura candidata a presidente, se sentem constrangidos por terem sido dirigidos como extras de auditório e estarem assim e ridiculamente expostos no documentário, o problema é deles, pois os fatos são aqueles.
O documentário mostra de maneira enfática e repetitiva que Dirceu e Palocci eram peças centrais da campanha pela sua proximidade e intimidade com o candidato. É natural que não tivessem a mesma função. Com isso, deve-se concluir que um cumpria um papel político, e o outro, financeiro. E que ser "coordenador de programa" era mais uma fachada para Palocci.
Delúbio inexiste no filme, o que reforça seu papel subordinado e de distribuidor dos recursos que recebia e recebeu depois. Na equipe de frente, além de Duda, Palocci e Dirceu, estavam sempre presentes Gilberto Carvalho, Gushiken, o assessor de imprensa Kotscho e Dulci. Silvio Pereira aparece somente uma vez, durante viagem de jatinho ao Norte, onde está Lulinha.
Uma longa gravação de cerca de 15 minutos com Lula durante essa viagem é um documento importante para conhecer o pensamento dele. Quem não deve gostar é o Vaticano. Lula diz que esteve lá com Lech Walesa, a quem chama de "pelegão", para uma reunião entre sindicalistas e a igreja. Afirma que, de lá, Walesa saiu com 60 milhões, que ele imagina serem de dólares. E, meio triste, diz que não saiu nem com o dinheiro da passagem, o que é quase uma confissão da expectativa que tinha de também levar a sua mala. O então candidato afirma que o movimento Solidariedade era artificial e bancado pelo Vaticano para derrubar o governo polonês. Nesse depoimento livre, ele mostra o papel que cumpre no máximo comando político, eliminando qualquer hipótese de não ter sido, ali ou depois, no governo, o comandante político.
No documentário, o presidente exalta o papel do movimento sindical que criou e ocupou o PT, afirmando que nenhum partido no mundo foi ou é como o PT, que desde o início elegeu sindicalistas como vereadores, prefeitos e, depois, deputados... Fica claro porque Lula, já no governo, manteve essa visão, sobrepondo sua equipe -os líderes sindicais, ele, Delúbio, Silvio, Dulci, Olívio Dutra, Pizzolato, Gushiken etc.- à máquina estatal e à máquina partidária.
Os cochichos ouvidos e assistidos quadro a quadro em DVD de laptop ajudam a entender tramas posteriores e quais eram os mais amigos, dentro e fora da imprensa.
Para entender a razão dos "cuidados" que João Moreira Salles está tendo em relação ao documentário, em uma passagem, Dirceu está cochichando e pergunta de quem é aquela câmera. Informado do que se trata e de que os filmes sairiam dali para um cofre, sendo posteriormente editados e submetidos a análise, Dirceu lembra do filme de Pelotas, quando Lula brincou sobre a sexualidade dos moradores da cidade e que, depois, circulou na internet. Por isso, prefere sair da sala ou desligar a câmera para continuar o cochicho. Isso só aumenta a curiosidade para ter acesso ao "copião". Espero que o documentarista não o tenha destruído e guarde tudo. Aí, sim, para ser visto daqui a 30 anos, como documento de valor histórico.

Cesar Epitácio Maia, 60, economista, é prefeito do Rio de Janeiro pelo PFL.
@ - cesarmaia@uol.com.br



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