São Paulo, sexta-feira, 17 de novembro de 2006

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Asas ao descontrole

Governo despreza código militar, trata controlador de vôo com lógica sindical e cogita colocar tráfego aéreo sob ameaça perene

A INÉPCIA vem marcando a ação das autoridades na crise do tráfego aéreo. Pela segunda vez em menos de um mês, controladores de vôo escarnecem de seus superiores, do governo federal e dos usuários do sistema e não encontram reação à altura. À frente da Defesa, Waldir Pires vem tratando a crise sob um prisma sindical, o que é espantoso para um ministro de Estado.
O acidente que vitimou 154 pessoas no final de setembro marcou o início do processo de "autodescoberta" da força dos controladores de vôo. O sindicato clandestino que se veio formando ao arrepio da lei -75% dos operadores são militares e estão impedidos de organizar-se desse modo- faria justiça se elegesse Pires como seu patrono.
Foi o titular da Defesa uma das primeiras autoridades a sair ao amparo dos controladores de vôo logo após a tragédia com o avião da Gol. Quando a investigação sobre as causas do acidente estava apenas começando, Pires contribuiu para uma autêntica patriotada, que, de modo apressado, visava a descarregar a culpa nos pilotos americanos do jato que se chocou com o Boeing e poupar os responsáveis pelo fluxo aéreo.
Já em plena "operação-padrão", o nome que tenta dar verniz tecnocrático a um movimento grevista, Waldir Pires ministrou lições avançadas do curso de formação sindical aos rebelados. Sentou-se à mesa para ouvir as "reivindicações" de controladores militares. Ninguém se lembrou de convidar para o encontro algum oficial das Forças Armadas a quem os operadores são subordinados. Mas o ministro do Trabalho, o ex-presidente da CUT Luiz Marinho, estava lá.
Em plena crise, o ministro da Defesa ainda saiu a propugnar pela transferência do controle do fluxo de aeronaves ao comando civil e criou uma comissão a fim de estudar o assunto. Uma comissão que tem 60 dias de prazo para divulgar suas conclusões -e cujo objeto seria uma mudança lenta, complexa e custosa no modelo de controle aéreo- só existe para produzir mais relâmpagos no meio da tempestade.
O comportamento populista do ministro cuja missão é conter a crise está contribuindo para amplificá-la. Os controladores de vôo entenderam que o governo federal cedeu à sua pressão ilegal e que, por uma estreita mentalidade sindicalista, acabou solapando o comando das Forças Armadas. Aí está o resultado: a greve continua e vai ganhando em desfaçatez.
O que o governo, a começar do presidente da República, ainda não conseguiu entender é que o controle de vôo no Brasil está majoritariamente a cargo das Forças Armadas, instituição na qual a lógica sindical não pode vigorar. A "operação-padrão" precisa ser debelada dentro dos códigos militares, sem brutalidade, mas com dureza e punição a atitudes de insubordinação.
O que fica desse lamentável episódio é uma amostra do que seria o tráfego aéreo brasileiro se estivesse sob comando civil. Um meio de transporte fundamental para um país da dimensão de um continente viveria em constante ameaça de paralisia, nas mãos de um sindicato de servidores públicos. Trata-se de argumento suficiente para justificar a manutenção do modelo atual, com os ajustes necessários a tornar a carreira de controlador de vôo bem mais atrativa do que é hoje.


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