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MARCOS NOBRE
Battisti
AMANHÃ SERÁ retomado e
provavelmente decidido o
caso Cesare Battisti. O processo tem provocado divisões acirradas e decisões apertadas em
grande medida porque muitas vezes não se sabe ao certo o que realmente está em causa. Principalmente depois que os argumentos
do ministro da Justiça para conceder o refúgio embaralharam os termos do debate público e do próprio
julgamento no STF.
Com a concessão do refúgio, o
problema deixou de ser apenas o da
natureza do crime, se político ou
comum. No âmbito externo, virou
uma disputa sobre a natureza da
relação de dois países democráticos soberanos que mantêm entre si
um tratado de extradição. No âmbito interno, passou a ser uma decisão sobre a própria separação de
Poderes, sobre os limites dos Poderes Executivo e Judiciário. Não é à
toa que os votos dos ministros do
STF até agora tenham escolhido
focos, problemas e fundamentações de decisão diversos.
Mas a natureza política dos crimes eventualmente cometidos
permanece central. O próprio pedido de extradição feito pela Itália
afirma a intenção política dos atos
cometidos. E, de acordo com o tratado em vigor, o reconhecimento
do caráter político do ato impõe
automaticamente o indeferimento
da extradição.
Uma sociedade democrática não
pode vacilar em responsabilizar
criminosos políticos. Todo e qualquer ato que atente contra a democracia deve ser considerado crime,
e os eventuais autores devem ser
processados e responsabilizados
segundo o devido processo legal
próprio de um Estado democrático
de Direito. Mas há uma diferença
importante a observar aqui.
É político o ato terrorista que
pretende desestabilizar uma democracia em nome de uma outra
forma de governo, seja ela teocrática, seja ela de outra natureza. Para
um tal tipo de crime político não
deve haver qualquer atenuante.
Mas esse caso de atentado contra
a democracia não deve ser confundido com o crime político cometido em nome de pretensas limitações da democracia existente,
em nome de uma democracia que
o autor do crime não vê se realizar
de fato.
Ao responsabilizá-lo pelo crime
de não ter buscado ampliar a democracia por meios democráticos,
a sociedade democrática deve lembrar ao mesmo tempo das suas
próprias origens nas revoluções do
século 18 e nas lutas políticas por
vezes violentas que a moldam até
hoje. Deve lembrar que não pode
sobreviver se não se democratizar
cada vez mais, se não permanecer
fiel ao impulso que a produziu. É
essa lembrança que deveria impedir a extradição, por motivos políticos, de Cesare Battisti.
nobre.a2@uol.com.br
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta
coluna.
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