São Paulo, terça-feira, 17 de novembro de 2009

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MARCOS NOBRE

Battisti

AMANHÃ SERÁ retomado e provavelmente decidido o caso Cesare Battisti. O processo tem provocado divisões acirradas e decisões apertadas em grande medida porque muitas vezes não se sabe ao certo o que realmente está em causa. Principalmente depois que os argumentos do ministro da Justiça para conceder o refúgio embaralharam os termos do debate público e do próprio julgamento no STF.
Com a concessão do refúgio, o problema deixou de ser apenas o da natureza do crime, se político ou comum. No âmbito externo, virou uma disputa sobre a natureza da relação de dois países democráticos soberanos que mantêm entre si um tratado de extradição. No âmbito interno, passou a ser uma decisão sobre a própria separação de Poderes, sobre os limites dos Poderes Executivo e Judiciário. Não é à toa que os votos dos ministros do STF até agora tenham escolhido focos, problemas e fundamentações de decisão diversos.
Mas a natureza política dos crimes eventualmente cometidos permanece central. O próprio pedido de extradição feito pela Itália afirma a intenção política dos atos cometidos. E, de acordo com o tratado em vigor, o reconhecimento do caráter político do ato impõe automaticamente o indeferimento da extradição.
Uma sociedade democrática não pode vacilar em responsabilizar criminosos políticos. Todo e qualquer ato que atente contra a democracia deve ser considerado crime, e os eventuais autores devem ser processados e responsabilizados segundo o devido processo legal próprio de um Estado democrático de Direito. Mas há uma diferença importante a observar aqui.
É político o ato terrorista que pretende desestabilizar uma democracia em nome de uma outra forma de governo, seja ela teocrática, seja ela de outra natureza. Para um tal tipo de crime político não deve haver qualquer atenuante.
Mas esse caso de atentado contra a democracia não deve ser confundido com o crime político cometido em nome de pretensas limitações da democracia existente, em nome de uma democracia que o autor do crime não vê se realizar de fato.
Ao responsabilizá-lo pelo crime de não ter buscado ampliar a democracia por meios democráticos, a sociedade democrática deve lembrar ao mesmo tempo das suas próprias origens nas revoluções do século 18 e nas lutas políticas por vezes violentas que a moldam até hoje. Deve lembrar que não pode sobreviver se não se democratizar cada vez mais, se não permanecer fiel ao impulso que a produziu. É essa lembrança que deveria impedir a extradição, por motivos políticos, de Cesare Battisti.

nobre.a2@uol.com.br


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.


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