São Paulo, terça-feira, 17 de dezembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Rio Branco, as fronteiras e a defesa nacional

CARLOS DE MEIRA MATTOS

Estamos comemorando o centenário da posse do barão do Rio Branco no Ministério das Relações Exteriores, convidado pelo presidente Rodrigues Alves, depois de ter passado 16 anos a serviço do Brasil no estrangeiro.
O convite teve o mérito do reconhecimento às esplêndidas vitórias alcançadas como ministro plenipotenciário, encarregado da defesa de nossos direitos territoriais nas questões de limites com Argentina e França, respectivamente nos território das Missões e Amapá, além de considerar sua fama de historiador, geógrafo e cartógrafo.
Rio Branco assumiu o Itamaraty em dezembro de 1902, no momento em que a imprensa e a opinião pública verberavam calorosamente contra a política do governo brasileiro referente à questão da disputa com a Bolívia, envolvendo a região acreana. Os governos anteriores, de Prudente de Moraes e Campos Salles, já tinham se desgastado com o problema desse longínquo território amazônico reclamado pela Bolívia e ocupado, quase que exclusivamente, por seringueiros brasileiros.
A borracha era o "ouro verde" da época. Depois de muitas indecisões políticas e diplomáticas de nossa chancelaria, o caso se agravara, com a formação de um exército de seringueiros armados, comandados pelo gaúcho Plácido de Castro, que também vivia na região explorando a borracha.
Plácido de Castro, com as suas forças de seringueiros, já havia derrotado os contingentes do Exército boliviano enviados para a região do rio Acre, o que levantara o calor do patriotismo boliviano e obrigara o presidente da República, o general Pando, a se colocar à frente do seu exército. O Rio de Janeiro e o Brasil todo ferviam em apoio a Plácido de Castro e seus guerrilheiros brasileiros, enquanto o governo assistia a tudo aparentemente imóvel.
Este o quadro complexo que esperava Rio Branco no Itamaraty. Viu logo que deveria evitar o choque armado, que se avizinhava, entre as forças regulares bolivianas comandadas pelo presidente da República e o exército de seringueiros de Plácido de Castro. Qualquer que fosse o resultado desse combate, representaria mais um complicador, quase que inextrincável, para uma futura solução diplomática do problema.


A diplomacia de Rio Branco, quando necessário, era dosada com habilidade negociadora e dissuasão militar


Manobrou rápido com os governos e empresas de Washington e Londres, para desfazer o maior obstáculo, o contrato do governo de La Paz com a Bolivian Syndicate, que concedia à empresa anglo-americana o direito de explorar a borracha e de administrar a área contestada. Fez com que o governo brasileiro enviasse uma força militar para ocupar a área de litígio (saiu da imobilidade e usou o argumento da dissuasão militar). Conseguiu às pressas que La Paz aceitasse um acordo preliminar de "modus vivendi".
Obtida a trégua, negociou em ambiente de paz com os delegados bolivianos, conseguindo em novembro de 1903 a assinatura do Tratado de Petrópolis, solução definitiva para essa questão de fronteiras. Pelo tratado, o Brasil incorporou 191.000 km2 da área litigiosa e cedeu à Bolívia 2.296 km2.
A solução da questão boliviana não foi aceita pelo Peru, que se julgava com o direito de parte do território negociado. Abriu-se nova disputa diplomática que Rio Branco resolveu a nosso favor.
Durante sua gestão na pasta do Exterior, por dez anos, abrangendo os governos de Rodrigues Alves, Afonso Pena, Nilo Peçanha e Hermes da Fonseca, nossa diplomacia pôde ainda resolver, de forma definitiva, os litígios com a Colômbia, Inglaterra (Guiana) e Uruguai.
Antes mesmo de vir a ocupar o cargo de chanceler, quando ainda na Europa, já o prestígio e gratidão nacional cobriam a personalidade de Rio Branco. Rui Barbosa, ao chegar ao Brasil a notícia de sua formidável vitória diplomática na questão do Amapá, escreveu no jornal "A Imprensa": "Hoje, literalmente, do Amazonas ao Prata, há um nome a irradiar por todo o círculo do horizonte num infinito de constelações; o filho do emancipador dos escravos, duplicando a glória paterna, com a de reintegrador do território nacional".
A diplomacia de Rio Branco para as disputas de fronteiras, quando necessário, era dosada com habilidade negociadora e dissuasão militar. Ao assumir a pasta do Exterior, surpreendeu-se com a fraqueza de nossas Forças Armadas, sem condições de deslocar para as fronteiras com a Bolívia e Peru, ameaçadas pela ocupação militar, um efetivo equivalente ao de nossos litigantes.
Por isso, porque precisava de um instrumento de força para compor o seu jogo diplomático, tornou-se amigo dos chefes militares da época -Argolo e Hermes, no Exército, e os almirantes Julio Noronha e Alexandrino, na Marinha- e deu apoio ao programa de reorganização, modernização e reequipamento do Exército e da Marinha.
Não temos espaço, aqui, para historiar toda a grandeza diplomática de Rio Branco, que, pela sua competência negociadora e por seu patriotismo, incorporou ao Brasil cerca de 900 mil km2 de áreas litigiosas de nossas fronteiras.

Carlos de Meira Mattos, 89, general reformado do Exército e veterano da Segunda Guerra Mundial, é doutor em ciência política e conselheiro da Escola Superior de Guerra.



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