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ANTONIO DELFIM NETTO
Cuidado
NÃO DEIXA de ser um pouco
assustadora a facilidade
com que se fala em "refundar" o capitalismo como resposta à
crise que o laxismo dos Bancos
Centrais e a imoralidade de agentes do sistema financeiro depositaram sobre a economia real.
"Capitalismo" é o codinome de
um sistema de organização econômica apoiado no livre funcionamento dos mercados. Nele há uma
clara separação entre os detentores do capital (os empresários) que
correm os riscos da produção e os
trabalhadores que eles empregam
com o pagamento de salários fixados pelo mercado. É possível (e até
necessário) discutir a qualidade
dessa organização e sugerir-lhe alternativas. O difícil é negar a sua
eficiência, a sua convivência com a
liberdade individual e os dramáticos resultados que desta última
emergiram a partir dos meados do
século 18.
Depois de uma estagnação milenar, nos últimos 250 anos ela permitiu a multiplicação por seis da
população mundial, multiplicou
por dez a sua produção per capita e
elevou de 30 para 60 anos a expectativa de vida do homem, o que não
é pouco.
Certamente ela não é perfeita.
Tem, por exemplo, uma tendência
a produzir uma detestável desigualdade. Mas o seu problema mais
grave -conhecido desde sempre-
é a sua ínsita tendência à flutuação
(em períodos e amplitudes variáveis) com repercussões sobre o
emprego e a segurança econômica
dos cidadãos. Quando se trata das
flutuações macroeconômicas e da
desigualdade, os economistas se
dividem em duas tribos: uma crê
que o sistema de economia de mercado, deixado a si mesmo e com
tempo suficiente, resolve os dois
problemas. Logo, ela dá ênfase à estabilidade monetária, fundamental
para o bom funcionamento dos
mercados. A outra crê que a solução exige uma intervenção inteligente, cuidadosa e firme do Estado
que corrija a desigualdade de oportunidades e mantenha a demanda
global. Logo, ela dá ênfase à estabilidade do emprego no nível mais alto possível.
A tentativa (de falsa inspiração
keynesiana) patrocinada pelo Partido Trabalhista inglês depois da
Segunda Guerra, de produzir simultaneamente a estabilidade monetária e o pleno emprego, terminou, como todos sabemos, num Estado-corporativo ineficiente, cuja
desmontagem foi iniciada por
Thatcher. As implicações políticas
(na organização do Estado) e econômicas (na limitação da liberdade
de iniciativa produtora das inovações) da "refundação" do capitalismo para eliminar as "crises" são
muito mais sérias do que supõe a vã
filosofia de alguns trêfegos passageiros do G20.
Como diriam os romanos: Cuidado, o cachorro é perigoso!
contatodelfimnetto@uol.com.br
ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
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