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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Quem paga
e quem ganha?
A vida econômica e política do
Brasil hoje gira em torno de negócio que precisamos desfazer e substituir. Para isso, é preciso esclarecer as
consciências e ganhar o poder.
Quando Lula assumiu a Presidência,
a dívida pública interna crescia de maneira insustentável. O novo governo
compreendeu que esse esquema não
podia continuar. Entretanto não iniciou renegociação ordeira da dívida
pública nem começou a organizar bases para crescimento econômico fundado em democratização das oportunidades, em capacitação dos brasileiros e em mobilização de poupança de
longo prazo para investimento de longo prazo. Em vez disso, optou por privilegiar a confiança financeira e por
seguir cartilha de reformas em que
ninguém, afora os mestres em Washington e os alunos em Brasília, acredita mais. Agravou o sacrifício fiscal e
dedicou os recursos resultantes ao pagamento de proporção maior dos juros da dívida pública. Com isso, diminuiu o ritmo do crescimento da dívida
sem ainda estabilizá-lo. E restringiu os
recursos, já escassos, disponíveis para
educação, saúde e obras. A curto prazo, o sistema resultante é economicamente mais estável. A médio prazo,
porém, é politicamente menos estável.
Os tomadores da dívida pública não
são apenas pequena elite de ricaços.
Também não são parcela ampla do
povo brasileiro. Quase 80% dos títulos
da dívida estão em mãos de bancos
comerciais. Parte relativamente pequena desse montante corresponde a
capital dos próprios bancos. Parte
maior representa depósitos super-remunerados de pessoas jurídicas e físicas. As pessoas jurídicas são as empresas que recebem, com isso, compensação capenga pela dificuldade de atuar
num ambiente em que o juro real excede o lucro médio: quem arrisca sufocar como produtor consegue respirar como rentista. As pessoas físicas
são algumas centenas de milhares de
depositantes, que investem diretamente ou por meio de fundos de pensão. Incluem boa parcela da classe média. Ficam sem escola ou hospital público aceitáveis. Pagam o Imposto de
Renda, que incide principalmente sobre o salário da classe média. Em troca, quem tenha um dinheirinho recebe juro alto no banco. Mau negócio,
para a classe média e para o país. Os
trabalhadores ficam fora dos benefícios. Pagam-lhe, porém, os custos: por
escassez de capital para aumentar a
produtividade do trabalho, por imposto desviado para pagar juros e por
falta de um Estado que possa investir
no social. O brinde dos juros serve para separar a classe média dos trabalhadores. Investem-se os ganhos financeiros em novos aplicações financeiras, ao léu da economia real e das necessidades da produção.
Proponho a reorganização desse sistema sobre duas bases. A primeira base é a renegociação ordeira da dívida
pública, com continuação do sacrifício fiscal, para fazer o juro ficar mais
baixo do que o lucro médio e para aumentar a capacidade de investimento
do Estado. A segunda base é a construção de ensino e de saúde públicos
de qualidade para atrair a classe média
ao sistema público em proveito de todos. A classe média deixará de ser
massa de manobra. Terá razões para
participar de uma aliança majoritária
que faça prevalecer os interesses do
trabalho e da produção e que generalize, de fato, a prestação social do Estado. Moderada e realista no método,
essa reorientação é revolucionária no
conteúdo. A tarefa é traduzi-la em linguagem que todos os brasileiros entendam. E encarná-la em projeto político que lute pelo poder para transformar o Brasil.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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