São Paulo, terça-feira, 18 de janeiro de 2011

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Revolução de Jasmim

Após a queda do ditador, espera-se que a Tunísia siga o rumo da democracia e que a mudança sirva de exemplo para as autocracias da região

Ainda são incertas as implicações que a derrocada da ditadura de 23 anos de Zine el Abidine Ben Ali na Tunísia terá sobre o mundo árabe, região em que a derrubada de um regime por meio de uma revolta popular é fato tão raro quanto eleições limpas.
A chamada Revolução de Jasmim, apelido dado pelos tunisianos em referência à flor símbolo do país e logo encampado pela mídia ocidental, eclodiu quando um homem de 26 anos, de formação universitária, ateou fogo ao corpo em protesto pela apreensão de sua barraca de frutas.
O gesto desesperado calou fundo numa nação em que a taxa oficial de desemprego está em 14%, mas chega a atingir 60% entre os jovens, em algumas áreas. A corrupção endêmica, que vinha ganhando contornos ainda mais escandalosos com atividades de membros do clã da primeira-dama, Leila Trabelsi, serviu de combustível para a revolta.
A absoluta falta de espaço para o dissenso e o número recorde de prisioneiros políticos também contribuíram para elevar a fervura do caldeirão de descontentamento -apesar de o país viver situação razoável do ponto de vista econômico, com crescimento médio de 5% até a crise de 2008.
Os protestos ganharam força impulsionados pelo uso da internet, mas também pela ampla cobertura de veículos tradicionais, como a TV Al Jazeera. A violenta repressão deixou cerca de 80 mortos na conta oficial -e mais de cem segundo entidades de direitos humanos. A reação do governo seguiu o roteiro de sempre, o desfecho não. Quando percebeu que os protestos não cederiam, o ditador tentou negociar. Era tarde.
A queda do déspota traz uma série de questões para a ex-colônia francesa de 10,5 milhões de habitantes no norte da África.
"Nosso povo é digno de uma vida evoluída e institucional fundada sobre um autêntico pluripartidarismo e organização de massas", discursou Ben Ali em 1987, ao assumir o poder no golpe que derrubou seu antecessor, Habib Bourguiba, líder desde a independência, em 1956. A partir de então, reelegeu-se sempre com mais de 90% dos votos -índice que revela o vazio de suas palavras.
Desta vez, as primeiras medidas são auspiciosas. O primeiro-ministro, Mohamed Ghanuchi, disse que vai legalizar todos os partidos políticos, prometeu eleições em seis meses e anunciou a libertação dos prisioneiros de consciência.
Um dos maiores desafios será isolar os radicalismos islâmicos e manter a secularidade do país, onde as mulheres podem andar de cabeça descoberta e desempenhar funções de relevo. As ameaças extremistas de ordem nacionalista também são um risco.
Pela ótica externa, a repercussão da reviravolta colocou os ditadores da região em alerta. No Egito, comandado por Hosni Mubarak desde 1981, um homem se autoimolou diante do Parlamento. Na Argélia, onde Abdelaziz Bouteflika assumiu o poder em 1999, foram quatro episódios semelhantes. Houve movimentação também na Líbia, de Muammar Gaddafi, no controle desde 1969.
Ainda que seja improvável uma onda de democracia na região, a Tunísia, a depender da evolução dos acontecimentos, poderá representar uma saudável novidade no autocrático mundo árabe.


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