São Paulo, terça-feira, 18 de janeiro de 2011

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CARLOS HEITOR CONY

Pés frios

RIO DE JANEIRO - Tudo neste mundo é mais ou menos inexplicável. A fama de pés frios, contudo, é de uma clareza matemática, diria até, usando do mau gosto, de uma clareza de sol meridional. Em 1965 (ou 1966), logo após Negrão de Lima ter tomado posse no governo da Guanabara, a cidade do Rio de Janeiro teve a sua maior enchente. Durante duas semanas ficamos sem água, sem luz, numa garagem da rua Anita Garibaldi, uns 300 metros da praia de Copacabana, meu Simca Chambord ficou coberto de areia e lama.
Um jornal publicou uma charge em que o governador, enrolado em uma toalha, tinha os pés numa bacia com água fervendo. Estava esquentando os pés para poder governar -por sinal, governou bem, foi um dos melhores executivos que tivemos.
Em 1962, no Chile, o Brasil sagrou-se bicampeão. Mário Filho, que deu nome ao Maracanã, escreveu uma crônica revelando que a alegria dos brasileiros (torcedores, jornalistas, paredros etc.) não foi pelo título em si, mas todos se olhavam, jucundos e aliviados, com a certeza de que não eram pés frios.
Cada um de nós deve ter conhecido algum portador de pé frio, e é possível que alguém nos considere na mesma categoria, iremos para o túmulo com essa qualidade inextinguível -não há registro histórico de um pé frio ter perdido seu malefício e sua temperatura.
Não sei não, mas o Brasil sofreu agora sua maior catástrofe natural, as forças ou a ira dos céus desabaram sobre o sudeste quando nem murcharam as flores e as galas da posse de um novo governo.
O Paulo Coelho me ensinou -e continua ensinando a muita gente, menos no Irã- que devemos observar os sinais, não cai um fio de cabelo de nossa cabeça sem que haja um anúncio, um sinal prévio e escancarado. O problema é entendê-lo e, dentro do possível, evitá-lo.


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