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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Ensino já
O país precisa tanto de controvérsia quanto de consenso. Há tema,
mais importante do que qualquer outro, a respeito do qual podemos construir convergência fecunda: a maneira
de melhorar a qualidade do ensino
público.
Nenhuma realização do governo de
Fernando Henrique Cardoso foi mais
benéfica do que o aumento da escolaridade; especialmente a difusão da escola média. Foi esforço de que participaram governadores, prefeitos e educadores de todos os partidos. Consolida-se nos quadros dirigentes do país a
convicção de que a tarefa prioritária
agora é dar salto qualitativo na educação.
Três conjuntos de iniciativas nos
permitiriam fazer muito com pouco,
obtendo resultados que logo começariam a transformar a vida brasileira,
ainda que demorassem toda uma geração para surtir seus efeitos mais poderosos.
A primeira tarefa é assegurar o cumprimento de mínimos de investimento por aluno e de desempenho por escola, primária ou secundária, em todo
o Brasil. O meio para fazê-lo é flexibilizar o federalismo, associando os governos federal, estaduais e municipais
em órgãos colegiados incumbidos de
definir os mínimos, de supervisionar
sua execução, de intervir corretivamente quando deixassem de ser satisfeitos e de suplementar os recursos financeiros e humanos dos Estados e
dos municípios mais pobres. É caminho que já começamos a percorrer. O
ponto decisivo é a negociação de pacto federativo que distinga entre duas
situações. Quando as faltas se originarem na incompetência dos governos
locais, a solução será sequestrar, sob a
vigilância dos tribunais, a parte pertinente do Orçamento estadual ou municipal e usá-la para fazer cumprir os
mínimos. Quando as faltas resultarem
da pobreza das populações e dos governos locais, a solução será redistribuir recursos dos Estados ou municípios mais ricos para os mais pobres.
Seria facilitada pela transformação de
um IVA federalizado, repartido entre
os Estados, em fonte maior da receita
pública.
A segunda obra a realizar é mudar a
natureza do ensino. Deve ter por
orientação o aprofundamento seletivo
em substituição ao enciclopedismo
superficial, o cultivo de capacidades
analíticas no lugar da memorização de
fatos e a cooperação construtiva na
aprendizagem em vez da mistura de
autoritarismo com individualismo.
Que o governo federal ajude a formar
professores capazes de praticar essa
reorientação pedagógica, fornecendo
a eles os materiais e os exemplos de
que precisem e condicionando seus
ganhos salariais a avanços de qualificação.
A terceira proposta é radicalizar a
meritocracia por meio da educação.
Temos de identificar, por critérios objetivos, os alunos mais aplicados ou talentosos em todos os níveis do ensino,
desde os primeiros anos. E passar a
dotá-los de estímulos especiais e de
bolsas generosas, que suplementem
um programa básico e universal de
bolsa-escola. Serão -sobretudo os
pobres e os negros- herdeiros da República, em vez de serem herdeiros
das famílias ricas que não têm. Formarão contra-elite republicana para
competir com a elite de herdeiros que
ainda concentra em suas mãos riquezas e oportunidades. Abrirão caminho para todos. Quebraremos, com
isso, o marasmo do nepotismo e do fatalismo. Daremos início à escalada de
energia e de ambição. O Brasil não será apenas sacudido. Será inspirado.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna. www.law.harvard.edu/unger
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