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São Paulo, terça-feira, 18 de março de 2003

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Ensino já

O país precisa tanto de controvérsia quanto de consenso. Há tema, mais importante do que qualquer outro, a respeito do qual podemos construir convergência fecunda: a maneira de melhorar a qualidade do ensino público.
Nenhuma realização do governo de Fernando Henrique Cardoso foi mais benéfica do que o aumento da escolaridade; especialmente a difusão da escola média. Foi esforço de que participaram governadores, prefeitos e educadores de todos os partidos. Consolida-se nos quadros dirigentes do país a convicção de que a tarefa prioritária agora é dar salto qualitativo na educação.
Três conjuntos de iniciativas nos permitiriam fazer muito com pouco, obtendo resultados que logo começariam a transformar a vida brasileira, ainda que demorassem toda uma geração para surtir seus efeitos mais poderosos.
A primeira tarefa é assegurar o cumprimento de mínimos de investimento por aluno e de desempenho por escola, primária ou secundária, em todo o Brasil. O meio para fazê-lo é flexibilizar o federalismo, associando os governos federal, estaduais e municipais em órgãos colegiados incumbidos de definir os mínimos, de supervisionar sua execução, de intervir corretivamente quando deixassem de ser satisfeitos e de suplementar os recursos financeiros e humanos dos Estados e dos municípios mais pobres. É caminho que já começamos a percorrer. O ponto decisivo é a negociação de pacto federativo que distinga entre duas situações. Quando as faltas se originarem na incompetência dos governos locais, a solução será sequestrar, sob a vigilância dos tribunais, a parte pertinente do Orçamento estadual ou municipal e usá-la para fazer cumprir os mínimos. Quando as faltas resultarem da pobreza das populações e dos governos locais, a solução será redistribuir recursos dos Estados ou municípios mais ricos para os mais pobres. Seria facilitada pela transformação de um IVA federalizado, repartido entre os Estados, em fonte maior da receita pública.
A segunda obra a realizar é mudar a natureza do ensino. Deve ter por orientação o aprofundamento seletivo em substituição ao enciclopedismo superficial, o cultivo de capacidades analíticas no lugar da memorização de fatos e a cooperação construtiva na aprendizagem em vez da mistura de autoritarismo com individualismo. Que o governo federal ajude a formar professores capazes de praticar essa reorientação pedagógica, fornecendo a eles os materiais e os exemplos de que precisem e condicionando seus ganhos salariais a avanços de qualificação.
A terceira proposta é radicalizar a meritocracia por meio da educação. Temos de identificar, por critérios objetivos, os alunos mais aplicados ou talentosos em todos os níveis do ensino, desde os primeiros anos. E passar a dotá-los de estímulos especiais e de bolsas generosas, que suplementem um programa básico e universal de bolsa-escola. Serão -sobretudo os pobres e os negros- herdeiros da República, em vez de serem herdeiros das famílias ricas que não têm. Formarão contra-elite republicana para competir com a elite de herdeiros que ainda concentra em suas mãos riquezas e oportunidades. Abrirão caminho para todos. Quebraremos, com isso, o marasmo do nepotismo e do fatalismo. Daremos início à escalada de energia e de ambição. O Brasil não será apenas sacudido. Será inspirado.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger


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