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TENDÊNCIAS/DEBATES
É correto o uso do Exército no combate
ao crime organizado no Rio de Janeiro?
SIM
Traficantes, armas e Exército
CESAR MAIA
No Rio , o tráfico de drogas no varejo se estabeleceu por meio de pontos de venda -as bocas-de-fumo- localizados em favelas porque, ali, a mobilidade é difícil, e o ocultamento, fácil.
Um delito cujo objeto tem alto valor
de troca permite que se profissionalize
um núcleo central em cada gangue e se
adquiram armas para defender uma boca-de-fumo e atacar as outras.
Para evitar um processo de autodestruição, foram constituídos os comandos, os quais, na verdade, não têm direção além da própria lógica que a prática
ensina. Seus chefes são tão virtuais que
só "existem" quando estão na cadeia.
Mas o fato de se considerarem parte de
uma organização elimina a disputa de
pontos de venda entre eles e permite
acesso aos mesmos fornecedores de armas e drogas.
A disputa por esses pontos de venda é
feita com armas militares pesadas -fuzis e metralhadoras de uso das Forças
Armadas de diversos países-, por se
tratar da defesa ou ocupação de um
"território". São armas que têm precisão a uma distância maior do que um
quilômetro e com poder de penetração
por oito corpos, um atrás do outro.
Quando ocorrem disputas à bala, os
projéteis se dispersam e chegam a mais
de três quilômetros de distância, produzindo conseqüências eventuais -as ditas balas perdidas.
Segundo a lógica do narcovarejo, no
Rio, a cocaína é associada a essas armas
manuais de guerra. Portanto, a repressão ao tráfico de drogas é também a repressão ao tráfico de armas.
No Brasil, a legislação é muito clara. A
lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003,
em seu artigo 24, diz que "compete ao
Comando do Exército autorizar e fiscalizar a produção, exportação, importação, desembaraço alfandegário e o comércio de armas de fogo".
No regulamento correspondente, decreto nº 3.665, de 20 de novembro de
2000, em vários artigos, essa responsabilidade constitucional do Exército é
reiterada. O artigo 6º diz que "a fiscalização de produtos controlados de que
trata este regulamento é de responsabilidade do Exército, que a realizará por
intermédio de seus órgãos subordinados". O artigo 19 reitera que cabe ao
Exército autorizar e fiscalizar a produção e o comércio, e, logo em seguida, o
artigo 22 diz: "São elementos auxiliares
da fiscalização de produtos controlados: I - Os órgãos policiais".
Portanto, as polícias, no caso da circulação, fiscalização e repressão de armas,
são subordinadas ao Exército, desde
que este as convoque. Mais adiante, o
artigo 241 diz: "O produto controlado
será apreendido quando: VI - Tratar-se
de armas, petrechos e munições de uso
restrito em poder de pessoas físicas ou
jurídicas não autorizadas".
Retomando a análise inicial, as características do narcovarejo, no Rio, associam inexoravelmente o tráfico de drogas ao uso de armas pesadas. Não há um
sem o outro. São armas contrabandeadas de uso militar para a guerra, muito
mais potentes que os fuzis FAL recuperados nesta semana pelo Exército.
Somente o Exército tem atribuição legal para autorizar seu uso, além da responsabilidade, matriz e intransferível,
de fiscalização e apreensão. Os narcovarejistas das favelas cariocas usam essas
armas de forma aberta e explícita. O uso
ilegal desse armamento nem sequer
precisa ser investigado, porque pode ser
fotografado e filmado todos os dias.
Uma ostensividade dessas torna inescapável a obrigação do Exército de planejar, coordenar e dirigir a apreensão dessas armas. Evidentemente, não apenas
as suas, circunstancialmente roubadas.
Na medida em que o narcovarejo não
sobrevive sem o uso dessas armas, a repressão a elas -obrigação do Exército- será, ao mesmo tempo, a repressão
à lógica do tráfico de drogas e aos traficantes. E o sucesso será a desarticulação
desse narcovarejo. Não fazer isso significa rasgar a Constituição, as leis e os regulamentos -que nenhuma instituição mais do que o Exército tem a obrigação de defender e zelar.
Cesar Epitácio Maia, 60, economista, é prefeito
pelo PFL do Rio de Janeiro.
@ - cesarmaia@uol.com.br
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