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CLÓVIS ROSSI
A menina, o soldado e o muro
RAMALLAH (Palestina) - Em
frente ao hotel Jacir Intercontinental de Belém, no qual se hospedou o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um muro exibe uma pintura que
vale mais que dez livros sobre o sentimento dos palestinos.
Mostra um soldado israelense
com as mãos na parede, sendo vistoriado por uma menina palestina,
véu à cabeça. É a completa inversão
do cotidiano dos palestinos, meninos e meninas inclusive: para sair
de seus territórios, são permanente
submetidos à apalpação de segurança, talvez o menor dos tormentos que afetam a vida deles.
O olhar da menina não carrega
ódio. Parece distante, como se a rotina a entediasse, como certamente
entendia uma menina de verdade
submetida a controles que, não raro, são abusivos. Dou um exemplo
pessoal: para entrar na segunda-feira no palácio presidencial de Jerusalém, tive que, literalmente, abaixar as calças e exibir a cicatriz da
operação para colocação de prótese
no quadril (uma peça de titânio que
apita sempre que passo nos escâneres de segurança).
É um abuso burro: a cicatriz existe, mas poderia ter sido provocada
por um tiro, uma facada, outra operação. Não prova que eu tenho uma
peça de metal no quadril.
É esse o drama dos palestinos:
precisam provar, uma e mil vezes,
que não são terroristas, embora alguns dentre eles o sejam. Mas sofrem todos a "punição coletiva" do
jargão diplomático-jurídico internacional e que tanto horroriza os
adeptos da legalidade.
Não deu tempo de fazer uma pesquisa ampla para saber se a maioria
dos palestinos incorporou o tédio/
conformismo da menina pintada
no muro. Os incidentes dos últimos
dias, no entanto, dão razão a Avi Issacharoff e Amos Harel, do "Haaretz", quando dizem que "parece
que outro substancial choque israelo-palestino, com Jerusalém no
meio, está se tornando crescentemente próximo".
crossi@uol.com.br
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