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A Varig é a nossa cara
Lula tenta tirar a dignidade da Varig. Insiste que se trata de uma empresa privada, mas ela é um símbolo
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GERALD THOMAS
Numa manifestação que a classe teatral fez, no Rio, no dia doze
deste mês, em apoio à Varig, a imprensa, mais uma vez, não ajudou. Ao contrário, só serviu para fazer sensacionalismo, descontextualizar ainda mais as
coisas e... desinformar o público.
Vamos por partes. Primeiro, o que diz
respeito ao que eu falei no pequeno palco do Teatro Leblon. (Aliás, qual não foi
a minha decepção ao ver tão pouca gente de teatro reunida; gente essa que "deve" um passado enorme à Varig. Na hora em que a corda aperta, some todo
mundo. Típico, não é?)
Subi ao palco, seguindo o lindo manifesto lido por Marco Nanini. E expus o
quanto está difícil encontrar palavras
que sirvam para nos fazer entender por
esses que hoje sentam no poder. No dia
da manifestação, as manchetes de todos
os periódicos diziam que o PT havia sido acusado de "formação de quadrilha". Então falei: "Já que Lula não nos
ouve mesmo, será que uma quadrilha
nos ouviria?". Comparei a Varig aos
grandes patrimônios nacionais, mencionando a associação de idéias que ela,
como representante do Brasil nos ares
do mundo inteiro há quase 80 anos, suscita -ao nos remeter à "Garota de Ipanema" e à imagem do Pão de Açúcar ou
do Corcovado, à arquitetura de Niemeyer ou ao Jardim Botânico; enfim, um
patrimônio.
Fosse qualquer outra coisa sem interesses opostamente ligados a essa "quadrilha", Lula já teria feito o que deveria
faz tempo: ou deixar a Varig livre para
negociar seu próprio futuro sem interpor o seu focinho (assim como no melhor sentido da "deregulation" reaganiana, americana), ou pagar o que o governo deve à empresa -fazer com a
Varig um plano de recuperação, incluindo subsídios de Petrobras e Infraero, como se vê nas melhores famílias.
Foi, em parte, isso que falei. E citei
exemplos: depois do 11 de Setembro, a
indústria aérea no mundo inteiro pegou
a gripe aviária. Até a Swissair acabou. A
que voa hoje se chama simplesmente
Swiss, e foi comprada por uma Lufthansa pesadamente subsidiada com dinheiro da Bundesrepublik Deutschland. Ah,
sim. Disse que sem a ajuda de injeção de
libras esterlinas e um enorme subsídio
da British Petroleum, a British Airways
não estaria hoje voando com a dignidade que está.
Pois Lula está tentando tirar a dignidade da Varig. E isso é muito estranho,
já que a Varig é a cara do Brasil, é a nossa
cara! Lula insiste em dizer que se trata
de uma empresa privada, mas sabe
muito bem que é muito mais do que isso: a Varig é um símbolo brasileiro respeitadíssimo no mundo inteiro, que já
serviu de embaixada, já resgatou presos
políticos (alguns companheiros de Lula). Não é uma questão de símbolos? Então para que gastar US$ 10 milhões para
mandar um brasileiro passar uns dias
no espaço quando se sabe muito bem
que o Brasil não tem uma agência espacial, que isso não terá seqüência ou conseqüência? O que foi aquilo senão um
símbolo tolo de machismo? Um factoidezinho? E outras asneiras. Metrô de
Caracas, quando nem São Paulo possui
um metrô suficiente para seu tamanho
ainda? Como assim? Caracas?
Acho que no Planalto já não se diz coisa com coisa, e é por isso que Lula insiste em dizer que não irá ajudar a Varig.
Mas será que ele percebe o que está dizendo? Essa companhia pioneira, com
quase 80 anos e que acaba de ganhar o
primeiro lugar em segurança no mundo
-da Iata, Associação Internacional de
Transporte Aéreo-, pode ser extinta
assim, por um capricho ou negligência,
justamente por aquele que nasceu do
Partido dos Trabalhadores e se diz um
deles? Fechar a Varig significa demitir
mais de 11 mil somente no corpo principal da companhia. Lula, pense bem!
Quantos brasileiros cultos, orgulhosos,
dignos de medalhas -e não do desemprego- você estaria colocando na rua?
Não faz sentido?
Há quem me escreva reclamando, dizendo que a situação da Varig é o resultado de anos e anos de má administração financeira. Minha resposta é que o
Brasil é um lugar onde se pratica a má
administração financeira, com mensalão, corrupção institucionalizada, caixa
dois ou, até há poucos anos, uma desvalorização da moeda tão brutal que afetou até este jornal e todo o meio empresarial. Ou seja, quem tem história obviamente tem dívidas, tem carga humana,
alma humana e, sem dúvida nenhuma,
muitas falhas também. Não se iludam
com essas novinhas aí, que estão no ar.
Lembram-se quando elas caíam feito
pato em temporada de caça?
A Varig é um patrimônio cultural precioso e deve ser tratada como tal. Seu
pessoal de terra e todos os que nela
voam são a cara do Brasil, refletem as
nossas ansiedades e não usam aqueles
"coquetéis esculturais" na cabeça no lugar dos cabelos, como tantas linhas aéreas ainda o fazem. Eu exijo mais respeito quando algum "foca" reproduzir o
que eu digo em discurso, porque, em
suma, foi isso.
Gerald Thomas é autor e diretor de teatro.
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