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JOSÉ SARNEY
Fronteiras sangrentas
MUITO SE tem censurado o
Supremo Tribunal Federal por estar legislando.
Na nossa democracia, cabe ao Judiciário ser não somente o fiscalizador dos outros Poderes mas harmonizar os conflitos que possam
romper o equilíbrio institucional.
Graças a essa atribuição, podemos
prescindir do Poder Moderador,
que, no Império, foi exercido pelo
imperador e, na República, pelas
incursões das Forças Armadas.
A tradição brasileira, ao contrário da americana, é não ter conflitos entre o Poder Judiciário e o Poder Legislativo. O mesmo não
aconteceu entre o Poder Executivo
e os outros dois. O Legislativo foi
fechado algumas vezes, e o Judiciário, podado de ministros e de atribuições, chegando Vargas a nomear o presidente do Supremo e
anular uma sentença por decreto.
Nos Estados Unidos, foi a Corte
Suprema -lá também acusada de
legislar- que resolveu o problema
dos direitos civis e a segregação nas
escolas. O resultado foi o fim do
apartheid que ameaçava dividir o
país.
Nossa Constituição de 88 é detalhista em muitos temas, mas vazia
em outros. Cabe ao Supremo viabilizá-la na direção dos interesses
maiores da pátria e do Estado de
Direito. Para isso, recebeu a sagrada missão de "guardar a Constituição". Só ele poderá evitar a hipertrofia de alguns setores que hoje se
expandem em busca de ocupar espaço e exercer poderes que não
têm, violando direitos individuais e
criando ameaças ao Estado de Direito. Só o Supremo pode conter isso. Um teste, agora, objetivo e
atual, é o da reserva indígena Raposa/Serra do Sol. Até onde pode um
Estado ter o seu território dividido
e ocupado, ou, como acontece em
Roraima, não ter terra nenhuma
porque todas são da União e estão
repartidas?
Outro assunto sensível, que diz
respeito à soberania, é a existência
de reservas indígenas em faixas de
fronteira. Quando eu era presidente, não permiti demarcar reservas
na fronteira, mas fizemos reservas
isoladas e descontínuas, que resguardavam a soberania nacional e
conjuravam as cassandras do Pentágono, que diziam ser um conflito
do futuro da humanidade as "nações indígenas" da Amazônia. O
governo que me sucedeu revogou
minha decisão.
O artigo primeiro de nossa Constituição coloca entre os fundamentos do Estado democrático de direito, em primeiro lugar, a soberania. O STF tem o dever irrecusável
de defendê-la. Ela é a pátria.
Nossas fronteiras são de todos os
brasileiros, pardos, brancos, negros e índios. Temos fronteiras de
paz com dez países. Não podemos
imaginar que por nosso erro elas se
tornem fronteiras sangrentas.
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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