São Paulo, sexta-feira, 18 de abril de 2008

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JOSÉ SARNEY

Fronteiras sangrentas

MUITO SE tem censurado o Supremo Tribunal Federal por estar legislando. Na nossa democracia, cabe ao Judiciário ser não somente o fiscalizador dos outros Poderes mas harmonizar os conflitos que possam romper o equilíbrio institucional.
Graças a essa atribuição, podemos prescindir do Poder Moderador, que, no Império, foi exercido pelo imperador e, na República, pelas incursões das Forças Armadas.
A tradição brasileira, ao contrário da americana, é não ter conflitos entre o Poder Judiciário e o Poder Legislativo. O mesmo não aconteceu entre o Poder Executivo e os outros dois. O Legislativo foi fechado algumas vezes, e o Judiciário, podado de ministros e de atribuições, chegando Vargas a nomear o presidente do Supremo e anular uma sentença por decreto.
Nos Estados Unidos, foi a Corte Suprema -lá também acusada de legislar- que resolveu o problema dos direitos civis e a segregação nas escolas. O resultado foi o fim do apartheid que ameaçava dividir o país.
Nossa Constituição de 88 é detalhista em muitos temas, mas vazia em outros. Cabe ao Supremo viabilizá-la na direção dos interesses maiores da pátria e do Estado de Direito. Para isso, recebeu a sagrada missão de "guardar a Constituição". Só ele poderá evitar a hipertrofia de alguns setores que hoje se expandem em busca de ocupar espaço e exercer poderes que não têm, violando direitos individuais e criando ameaças ao Estado de Direito. Só o Supremo pode conter isso. Um teste, agora, objetivo e atual, é o da reserva indígena Raposa/Serra do Sol. Até onde pode um Estado ter o seu território dividido e ocupado, ou, como acontece em Roraima, não ter terra nenhuma porque todas são da União e estão repartidas?
Outro assunto sensível, que diz respeito à soberania, é a existência de reservas indígenas em faixas de fronteira. Quando eu era presidente, não permiti demarcar reservas na fronteira, mas fizemos reservas isoladas e descontínuas, que resguardavam a soberania nacional e conjuravam as cassandras do Pentágono, que diziam ser um conflito do futuro da humanidade as "nações indígenas" da Amazônia. O governo que me sucedeu revogou minha decisão.
O artigo primeiro de nossa Constituição coloca entre os fundamentos do Estado democrático de direito, em primeiro lugar, a soberania. O STF tem o dever irrecusável de defendê-la. Ela é a pátria.
Nossas fronteiras são de todos os brasileiros, pardos, brancos, negros e índios. Temos fronteiras de paz com dez países. Não podemos imaginar que por nosso erro elas se tornem fronteiras sangrentas.


JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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