São Paulo, sexta-feira, 18 de abril de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Além da estagnação?

MARCELO O. DANTAS

Estamos diante de uma recuperação episódica ou de fato resgatamos a capacidade de crescer de modo sustentado?

EM 2007, o Brasil voltou a crescer.
A taxa de expansão do PIB (5,4%), embora inferior à de outras economias emergentes, rompeu importante barreira psicológica. As projeções para 2008 apontam um aumento do produto interno na faixa dos 5%. Cabe perguntar: estamos diante de uma recuperação episódica ou de fato resgatamos a capacidade de crescer de modo sustentado?
Nossa história recente ajuda a elucidar a questão. Em 1984-1985, após três anos de dura recessão, o Brasil esteve a ponto de retomar o desenvolvimento. Tínhamos uma infra-estrutura moderna e uma base industrial renovada. A democracia voltara e, com ela, a confiança no futuro. O desafio consistia em superar o nó financeiro do endividamento externo e interno.
Não era tarefa impossível, mas uma mistura de oportunismo político e soberba heterodoxa (manipulação do congelamento de preços; descontrole fiscal; desatenção para as variáveis externas da economia; fé excessiva em uma economia fechada) levou ao malogro do Plano Cruzado. O PMDB venceu as eleições de 1986 e o país mergulhou na hiperinflação.
Frustração semelhante tornou a ocorrer após a boa performance de 1994-1995. FHC herdara de seu antecessor uma economia estabilizada e um país cheio de otimismo. A base governista vinha aprovando todos os projetos apresentados pelo Planalto.
O Brasil poderia ter retomado o crescimento sustentado de longo prazo.
Novamente, uma conjunção de interesses políticos e "hybris" tecnocrática (abandono das reformas estruturais em prol da reeleição; âncora cambial; juros exorbitantes; cerceamento do investimento público em infra-estrutura) jogou por terra a oportunidade. As crises externas de 1997-1998 somente contagiaram o Brasil porque, no biênio anterior, o governo do PSDB fizera apostas equivocadas.
Repetirá o governo Lula os erros das gestões anteriores? Vejamos. O crescimento atual deriva destes fatores: 1) forte expansão da demanda externa; 2) aumento do consumo interno (maior salário-mínimo, crédito facilitado à classe média); 3) redução modesta dos juros nominais; 4) aumento tímido do investimento público (PAC). É uma recuperação de caráter keynesiano, ainda sem a marca do crescimento endógeno estruturado.
No horizonte, nuvens se acumulam. A turbulência na economia norte-americana ameaça esfriar o ritmo de expansão da demanda internacional, derrubando os preços das commodities. No plano interno, a carga tributária atingiu níveis insuportáveis (37% do PIB), minando a capacidade de expansão do setor privado.
O governo segue investindo pouco e gastando mal. A infra-estrutura do país foi sucateada.
Não bastasse isso, o Copom teima em manter a Selic muito acima das taxas de juros praticadas internacionalmente. Isso atrai fluxos financeiros especulativos, fomentando uma valorização artificial do real que encarece nossos produtos e prejudica o exportador. O saldo comercial brasileiro caiu 67% no primeiro trimestre. O impacto sobre as transações correntes não tardará. É uma política insensata, que o próprio FMI tem criticado.
Inabaláveis, os ortodoxos do BC decidem elevar a Selic em 0,5%, revertendo a trajetória de queda nominal dos juros. Supõem que, assim, eliminarão supostas pressões inflacionárias, via desestímulo ao consumo e inviabilização do investimento produtivo. Tal decisão, somada à possível queda das exportações, terá forte efeito recessivo. Seu impacto sobre as contas públicas será devastador. Em lugar de acalmar os mercados, ela os tornará ainda mais voláteis.
Fazenda e Planejamento anunciam, entretanto, cortes orçamentários lineares que mascaram o crescimento de gastos politicamente motivados. A medida equivale a trocar despesas ruins por despesas piores.
Já os economistas do PT sugerem como remédio o aumento de impostos, desatentos ao imperativo da otimização de recursos escassos. Seu projeto para a nação consiste em defender o assistencialismo eleitoral, inchar a máquina pública e festejar os excessos cometidos pelo MST.
Para seguirmos crescendo, precisamos exorcizar os fantasmas do passado. Se a formação bruta de capital fixo (13,4% em 2007) não aumentar, o crescimento atual terá pernas curtas.
Mas, para que os investimentos avancem, será preciso conter os gastos correntes do governo e reduzir a carga tributária. Do mesmo modo, para que os juros internos caiam e o câmbio encontre seu patamar natural, sem gerar desequilíbrios, o rigor fiscal terá de ser redobrado. Se queremos ir além da estagnação, precisamos fazer com que o Brasil produtivo se imponha ao Brasil improdutivo.


MARCELO OTÁVIO DANTAS, 44, é escritor e diplomata de carreira. Formado em ciências econômicas pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), chefia a Divisão de Assuntos Multilaterais Culturais do Ministério das Relações Exteriores.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: César Augusto Minto, Ciro T. Correia e Pedro Estevam da Rocha Pomar: Crise da UnB, fundações "de apoio" e o MEC

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.