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Falta rigor
Em casos de extrema periculosidade, cabe discutir mecanismos legislativos mais severos de controle e punição
TODA VEZ que um crime especialmente chocante
ganha destaque no noticiário, avivam-se as pressões por mais rigor na legislação
penal -e cabe advertir quanto ao
risco de uma excessiva emocionalização nesse tipo de debates.
Mas há riscos inversos, os da
indiferença e da tecnicalidade,
quando um caso como o do estupro e assassinato de seis meninos em Luziânia (GO) se impõe
às atenções da opinião pública.
Ainda que se possa mencionar
a existência de falhas específicas
da Justiça nesse episódio -como
a insuficiência das avaliações
psicológicas a respeito da periculosidade do assassino-, não há
como evitar a sensação de que a
legislação brasileira vai pecando
pelo excesso de brandura.
De um lado, convive-se com a
tortura de presos comuns, com a
superlotação de presídios, com
cenas de absoluta barbárie no
trato de simples suspeitos de algum delito sem maior periculosidade; de outro, dispositivos legais avançados e garantias teoricamente legítimas tendem a proteger indivíduos absolutamente
inadaptados ao convívio social.
A estes, a chamada lei dos crimes hediondos pretendeu tratar
com especial rigor. A partir de
1990, crimes como tortura, terrorismo, sequestro, estupro ou
disseminação de veneno na água
potável passaram a receber atenções especiais na legislação, sendo insuscetíveis, por exemplo, de
indulto ou anistia.
A lei originalmente determinava que, nesses casos, não valeria
o mecanismo da progressão da
pena. Nos demais crimes, o condenado pode passar a um regime
semiaberto depois de completar
1/6 de sua pena na prisão.
Ocorre que, em 2006, o Supremo Tribunal Federal considerou
inconstitucional essa restrição:
os condenados por crimes hediondos teriam os mesmos direitos que os demais.
Rapidamente, o Congresso
adotou uma solução de meio-termo. Sem barrar por completo
o sistema da progressão, aumentou para 2/5 da pena o prazo mínimo entre as grades para estupradores, traficantes, torturadores ou genocidas, elevando-o a
3/5 no caso, por si só assustador,
de reincidência.
É pouco. Sabe-se, nas condições de congestionamento do
sistema penal, o quanto pode haver de rotina automática numa
avaliação psiquiátrica, aliás nem
sempre requerida pelas autoridades, e de que modo são falhos
os mecanismos de acompanhamento e vigilância do poder público no caso dos que desfrutam
de um regime semiaberto.
Surge assim a possibilidade de
um psicopata serial, condenado a
30 anos de prisão, estar nas ruas
seis anos depois de condenado.
O uso das pulseiras eletrônicas, a adoção de padrões mais rigorosos e regulares na avaliação
da periculosidade, e mesmo a rediscussão do instrumento da
progressão da pena em alguns
casos, impõem-se com urgência.
Não por impulso emocional depois de crimes particularmente
revoltantes como os de Luziânia,
mas por uma questão de simples
bom senso -e de justiça.
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