São Paulo, domingo, 18 de abril de 2010

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Falta rigor

Em casos de extrema periculosidade, cabe discutir mecanismos legislativos mais severos de controle e punição

TODA VEZ que um crime especialmente chocante ganha destaque no noticiário, avivam-se as pressões por mais rigor na legislação penal -e cabe advertir quanto ao risco de uma excessiva emocionalização nesse tipo de debates.
Mas há riscos inversos, os da indiferença e da tecnicalidade, quando um caso como o do estupro e assassinato de seis meninos em Luziânia (GO) se impõe às atenções da opinião pública.
Ainda que se possa mencionar a existência de falhas específicas da Justiça nesse episódio -como a insuficiência das avaliações psicológicas a respeito da periculosidade do assassino-, não há como evitar a sensação de que a legislação brasileira vai pecando pelo excesso de brandura.
De um lado, convive-se com a tortura de presos comuns, com a superlotação de presídios, com cenas de absoluta barbárie no trato de simples suspeitos de algum delito sem maior periculosidade; de outro, dispositivos legais avançados e garantias teoricamente legítimas tendem a proteger indivíduos absolutamente inadaptados ao convívio social.
A estes, a chamada lei dos crimes hediondos pretendeu tratar com especial rigor. A partir de 1990, crimes como tortura, terrorismo, sequestro, estupro ou disseminação de veneno na água potável passaram a receber atenções especiais na legislação, sendo insuscetíveis, por exemplo, de indulto ou anistia.
A lei originalmente determinava que, nesses casos, não valeria o mecanismo da progressão da pena. Nos demais crimes, o condenado pode passar a um regime semiaberto depois de completar 1/6 de sua pena na prisão.
Ocorre que, em 2006, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional essa restrição: os condenados por crimes hediondos teriam os mesmos direitos que os demais.
Rapidamente, o Congresso adotou uma solução de meio-termo. Sem barrar por completo o sistema da progressão, aumentou para 2/5 da pena o prazo mínimo entre as grades para estupradores, traficantes, torturadores ou genocidas, elevando-o a 3/5 no caso, por si só assustador, de reincidência.
É pouco. Sabe-se, nas condições de congestionamento do sistema penal, o quanto pode haver de rotina automática numa avaliação psiquiátrica, aliás nem sempre requerida pelas autoridades, e de que modo são falhos os mecanismos de acompanhamento e vigilância do poder público no caso dos que desfrutam de um regime semiaberto.
Surge assim a possibilidade de um psicopata serial, condenado a 30 anos de prisão, estar nas ruas seis anos depois de condenado.
O uso das pulseiras eletrônicas, a adoção de padrões mais rigorosos e regulares na avaliação da periculosidade, e mesmo a rediscussão do instrumento da progressão da pena em alguns casos, impõem-se com urgência. Não por impulso emocional depois de crimes particularmente revoltantes como os de Luziânia, mas por uma questão de simples bom senso -e de justiça.


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