São Paulo, domingo, 18 de abril de 2010

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CARLOS HEITOR CONY

"Olhai para isto"

RIO DE JANEIRO - Não sei se ainda existe a expressão "Cristo, olhai para isto". Antigamente havia e era usada sempre que acontecia alguma coisa de extraordinário. Chamava-se a atenção do filho de Deus para tudo o que parecia impossível de acontecer e assim mesmo acontecia.
Pessoalmente, usei pouco a expressão, pois raramente me admirava das coisas que iam se sucedendo comigo ou com o mundo. Mas acho que ainda há tempo para isto, pedindo a Cristo que olhe para isto. O "isto" em questão é a série de coisas assombrosas que estão acontecendo umas em cima das outras.
Terremotos devastadores no Haiti, Chile e agora na China, inundações assassinas no Rio, Niterói e Bahia, um vulcão na Islândia fazendo parar o tráfego aéreo na Inglaterra, um psicopata solto indevidamente e que mata seis jovens a pauladas depois de estuprá-los -o espaço seria pequeno para arrolar tudo e tanto.
Para complicar, picharam o próprio Cristo aqui no Rio. Aproveitando os andaimes de um serviço de conservação da estátua, aqueles que a imprensa chama de "vândalos" subiram até a cabeça que é realmente a parte mais bonita do monumento. Deixaram lá suas grifes cabalísticas.
O Redentor não reagiu. Poderia com um ato de sua vontade punir seus agressores, vomitando-os para o abismo do Corcovado. Mas tal como em sua vida terrena, Cristo aceitou sem reagir ao açoite dos soldados romanos e à coroa de espinhos, desta vez feita de piche.
Continuou impassível, braços abertos sobre a Guanabara como cantou Tom e Vinicius no samba do avião. Viu coisas desta vez, centenas de mortos das inundações, milhares de desabrigados. Olhou para isto e não reagiu, mas recebeu um protesto que embora imerecido, tem lá o seu sentido.


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