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Urgência urgentíssima!
ANA MARIA DRUMMOND
Poucos devem se lembrar da história da menina de oito anos que, em 18/5/1973, foi violentada e morta por agressores nunca punidos
MAIS DE três décadas nos separam do emblemático caso
Araceli. Muito provavelmente poucos se lembram da história
da menina de apenas oito anos que,
em 1973, num dia 18 de maio, recebeu
destaque nos jornais, revistas e TVs
por ter sido violentada e morta por
agressores nunca punidos.
A memória brasileira, sabe-se, é
curta e seletiva. Esquece-se com mais
facilidade daquilo que provoca desconforto. Do episódio Araceli até os
dias de hoje, o que se fez foi acrescentar outros tantos nomes de crianças a
uma história já bastante conhecida
que insiste em se repetir.
O número de adolescentes e crianças vítimas de abuso ou violência sexual cresce diariamente no Brasil, e
muitos dos casos, escondidos pelo silêncio constrangido das vítimas e parentes, nem sequer chegam ao conhecimento público ou aos noticiários.
É claro que, nas últimas três décadas, houve avanços importantes na
legislação brasileira voltada à criança
e ao adolescente. Mas, embora esse
capítulo da nossa legislação seja considerado um dos mais bem elaborados do mundo, na prática, ainda tem
sido necessário derrubar resistências
ao cumprimento do que prega a lei.
O preocupante quadro de abuso e
exploração sexual infantil, pedofilia e
pornografia envolvendo crianças e
adolescentes exige providências firmes: elas e eles não podem continuar
a ser mera estatística policial e muito
menos pivôs de uma situação de impunidade que, para conforto ilusório
de nossa consciência, preferimos
achar que não nos atinge, simplesmente porque parece distante de nossa família ou convívio social. A sociedade brasileira precisa compreender
que é dever de todos zelar pela proteção das crianças e adolescentes, e não
apenas uma obrigação do Estado.
Sabe-se que o abuso sexual de
crianças e adolescentes ocorre em todos os países do mundo e em todas as
classes sociais. Ao contrário do que se
pensa, o problema se dá em geral em
ambientes em que crianças e adolescentes deveriam ser mais protegidos.
Segundo levantamento do Centro
Nacional de Referência às Vítimas de
Violência, 62% dos casos de abuso
acontecem na própria família, e o pai
biológico é o principal agressor em
52% das ocorrências -normalmente,
o agressor é alguém próximo, em
quem se confia. O abuso também
ocorre em entidades governamentais
e privadas responsáveis por prover
cuidados substitutivos aos da família.
Se para os adultos já é difícil tratar
de um assunto tão espinhoso, para
uma criança ele pode representar o
trauma de toda uma vida. Isso explica,
em grande medida, o silêncio em torno dos casos. O pacto de medo velado
colabora para que essas situações de
violência se prolonguem, com sérias
conseqüências para a vida de crianças
e adolescentes vitimados.
Os meios de comunicação têm pelo
menos dois papéis importantíssimos
nessa luta: um é retirar o tema de uma
"redoma de silêncio", conveniente
para alguns, ruim para a sociedade e
péssima para as crianças. O outro é
sensibilizar os diferentes públicos
-direta ou indiretamente envolvidos- para que não apenas denunciem qualquer tipo de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente mas também participem ativamente de ações de prevenção.
Uma grande conquista nesse sentido foi a implantação do disque-denúncia nacional específico (disque
100) para casos de abuso e exploração
sexual de crianças e adolescentes, que
ainda precisa ter maior divulgação.
A denúncia representa o pontapé
inicial para romper o ciclo de violência. Mas, tão importante quanto denunciar, é realizar todo o processo
que se segue a ela, com um adequado
atendimento às vítimas, de forma que
elas não fiquem ainda mais vulneráveis, e, claro, a responsabilização criminal dos agressores. Nesse aspecto,
as políticas públicas atuais têm se
mostrado insuficientes.
Escolhida para lembrar a menina
Araceli, a data de 18 de maio de 2007,
hoje, representa o Dia Nacional de
Enfrentamento ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes e será lembrada em nosso país por
meio de importantes eventos previstos para acontecer em Santarém (PA),
Brasília (DF) e São Paulo (SP).
Que ela sirva para uma grande reflexão nacional sobre o tema, os papéis de cada um na solução de um
problema que nos diz respeito a todos. E, principalmente, para nos lembrar que proteger os direitos da criança é imperativo ético que exige sempre muito senso de urgência.
ANA MARIA DRUMMOND, 34, mestre em administração
de empresas pela Universidade Luigi Bocconi (Itália), é diretora-executiva do Instituto WCF-Brasil.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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