São Paulo, domingo, 18 de maio de 2008

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Brancos e negros

Em vez de imaginar um país dividido pela cor da pele, é preciso favorecer uma sociedade unida, tolerante e igualitária

DURANTE muito tempo, considerou-se que o povo brasileiro era constituído de uma maioria branca, a que se somavam mestiços, em larga porcentagem, e negros, em proporção consideravelmente menor. Mais do que uma questão de estatística, ou de DNA, tratava-se de favorecer uma identidade "racial" a que não era estranha uma série de fantasias e preconceitos.
Com odiosa intensidade, predominava a idéia de uma crescente "europeização" do país, num processo em que mestiços e negros, vistos como responsáveis pelo atraso brasileiro -e não como suas vítimas-, acabariam desaparecendo pelo gradual branqueamento da população.
Num caso raro de conjunção entre ciência, religião, bom senso, luta política e mesmo hipocrisia, foi sendo rejeitada essa visão racista, e teimosamente "branca", do futuro do Brasil.
Os fatos vieram aboli-la de vez. Divulgadas nesta semana, estimativas do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) apontam que, ainda em 2008, os brancos deixarão de ser maioria absoluta na população brasileira. Não apenas porque é menor sua taxa de fecundidade mas também porque cresce o número das pessoas que, nas pesquisas do IBGE, declaram-se "pretas" ou "pardas", na terminologia adotada pela instituição.
Já em levantamentos realizados em 2006, era pequena a diferença populacional entre brancos (49,7% do total) e a soma de pardos e pretos (49,5%).
Novamente, entretanto, a estatística é um componente menor na tentativa, politicamente orientada, de formular uma nova identidade nacional. Faz parte dessa ação ideológica traduzir os dados, dizendo que é negra a maioria da população. Do ponto de vista de muitas organizações de afrodescendentes, trata-se de firmar uma identidade étnica de inegável efeito nas lutas de afirmação anti-racista.
Do ponto de vista da identidade mais ampla do país, faz entretanto grande diferença estabelecê-la de modo a caracterizar uma população dividida entre "brancos" e "negros", ou acentuar, ao contrário, a diversidade e a unidade de uma população predominantemente mestiça e sobretudo multirracial -institutos oficiais, como o Ipea e o IBGE, deveriam abster-se de tomar partido nessa disputa.
Das fantasias racistas do "embranquecimento" à militância da "negrificação", um mesmo risco permanece: o de se criar um país imaginariamente dividido pela cor, quando se trata, ainda, de construir uma sociedade mais unida, tolerante e igualitária.


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