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MARINA SILVA
Leitura obrigatória
A MEDIDA PROVISÓRIA 458,
recém-aprovada na Câmara
dos Deputados, é leitura
obrigatória para quem se interessa
pelas urgências reais do Brasil de
hoje. Ela coloca a Amazônia em
risco, a pretexto de resolver a crônica desorganização fundiária. Se o
texto original do governo já continha temeridades, o que saiu da
Câmara agravou os problemas.
A MP permite legalizar milhares
de posses de terras públicas com
até 1.500 hectares (15 km2) nos Estados amazônicos. Com os adendos, chancela o festival de grilagem
na região e abre portas para mais
concentração agrária.
É a consagração da política nefasta do fato consumado. Avança-se sobre áreas públicas na certeza
de que mais dia menos dia tudo será legalizado. É um convite a surtos futuros de grilagem, na expectativa de mais uma regularização
que, como essa, beneficiará os
grandes em nome dos pequenos e
da "questão social". Segundo dados
do Incra, as mini e as pequenas
propriedades, de até quatro módulos fiscais (400 hectares), representam 80% do total, mas ocupam
apenas 11,5% da área a ser regu-
larizada. As médias e as grandes,
que são apenas 20% do total,
ocupam 88,5% da área.
Um processo de regularização
fundiária bem conduzido é essencial para estabelecer e promover
direitos e para o combate estrutural ao desmatamento. Contudo, o
processo em curso servirá para legalizar e capitalizar grileiros, comprometendo esforços de seis anos
do próprio governo para reduzir o
desmatamento na Amazônia.
O texto da Câmara permite à
pessoa jurídica beneficiar-se com a
regularização de ocupações, bem
como à pessoa física que tenha outros imóveis rurais ou regularize
áreas exploradas "indiretamente",
ou seja, um proprietário de terras
em outras regiões pode ter um preposto tomando conta de sua grilagem na Amazônia. Permite ainda
que terras legalizadas sejam vendidas após três anos, comprometendo a ideia da função social da terra.
Falta espaço para listar os problemas da MP 458. E todos estarão
nas mãos do Senado, em breve. Aos
senadores cabe reposicionar o rumo inaceitável que as coisas tomaram. Para isso, é crucial a escolha
do relator. Em nome do bem público e do bom senso, e tendo em conta o grau de tensão que o assunto
gerou, ele deve ter perfil de negociador com trânsito entre os diferentes interesses, capaz de conduzir um debate qualificado, sem
atropelos ou simplificações.
Alguém que, com transparência,
possa expor os dados e dar ao
Brasil e aos brasileiros a devida segurança para decidir sobre essa
questão, com responsabilidade
cívica e visão abrangente.
contatomarinasilva@uol.com.br
MARINA SILVA escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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