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ALBA ZALUAR
Peles e
cabeças
OUTRO DIA , o Brasil quase
todo parou para ver a parada passar. Foi impressionante. Todo ano se festeja uma escolha que não cria vítimas nem impede a liberdade alheia. Todo ano
aumenta mais o coro e os passantes, a exigir a solução das alas para
que amigos possam se encontrar.
Neste ano, 3,5 milhões de pessoas passando enfeitadas na avenida mais ocupada do Brasil (terá parado também?) foi certamente a
maior festa popular no país. Não
dava mais para encontrar conhecidos, mas a união e o respeito pela
pele, pelo contacto físico, pelo direito de escolher a própria sexualidade estavam patentes.
Era a cabeça prestando sua homenagem à pele, sem a qual não
consegue ser feliz. Era a racionalidade se juntando à sensualidade e à
emoção para celebrar a alegria de
poder escolher amigos, companheiros, parceiros.
Logo o desencanto chegou. Tudo
indica que na forma da pele de cabeça. A cabeça sem o seu natural
enfeite, a cabeça fechada pela pele
transformada em barreira, muro,
grade para o contacto, para a livre
escolha que não impede ninguém
de ser livre também. Nada como o
que aconteceu na Rússia ou o que
desponta em Israel. A morte de um
alegre passante foi cometida sorrateiramente por pequeno grupo disfarçado e cheio de disposições
mortais. Trouxe o sangue e a dor à
festa do prazer.
Os skinheads brasileiros não podem ser tratados como grupo único nem igual aos seus congêneres
ingleses e alemães, a maior parte
dos quais é defensor da supremacia
branca. Só no Brasil poderia haver
skinheads mestiços que se proclamam anti-racistas. Mas tem os que
se identificam com o fascismo e
com o integralismo da década de
30, pelo qual tantos no Brasil já
amargaram as dores do cárcere.
Também de São Paulo para toda
a nação, depois de lançado o manifesto integralista em 1932, Plínio
Salgado atrai para as ruas da capital, em abril de 1933, homens marchantes, igualmente fardados de
camisas verdes, sigma e bandeira.
Seus valores tradicionais são os de
que um homem vale pelo trabalho,
pelo sacrifício em favor da família,
da pátria e da sociedade.
Essa construção tradicional da
masculinidade deu origem à trilogia Deus, Pátria e Família, um movimento de renovação moral que
deveria atingir toda a sociedade
brasileira. Não atingiu. Abaixo do
Equador, como dizem os poetas, é
difícil impor a rigidez moral. Mas
ficou o rastilho da intolerância que
define movimentos que querem
todos iguais a si mesmo. Foi essa
intolerância que feriu a parada da
alegria, reunindo tantos brasileiros, homos e heteros, na confraria
da aceitação mútua.
ALBA ZALUAR escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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