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Perto das estrelas
OTAVIO FRIAS FILHO
Num show antigo, Chico Anysio
contava a saga do primeiro astronauta
brasileiro; ele levaria, colada ao painel
de instrumentos, a foto dos filhos com
os dizeres: "Papai, não corra". Com
ou sem foto, as autoridades locais estão escolhendo agora, entre cinco finalistas, o primeiro brasileiro a ser
enviado ao espaço exterior.
O eleito deverá participar de uma
missão norte-americana, não sem antes passar cerca de três anos sob treinamento especializado. Isso se não
houver os adiamentos que já houve.
Em meados da década de 80, os militares e os centros de pesquisa aeroespacial fizeram seleção semelhante,
chegando também a cinco finalistas.
Tancredo Neves tinha sido escolhido
presidente, aconteceu o rompimento
de sabe-se lá que acordo bilateral, o
projeto foi adiado. Pelo menos um
dos candidatos, que conheci bem, era
talhado para o desafio. Não só na parte técnica -fora excelente aluno de
matemática, tinha todos os cursos e
brevês, praticava mergulho etc.
Também o lado político parecia favorecê-lo. Era civil, mas formado por
escola militar; paulista, descendente
de imigrantes, mas casado com uma
cearense, física e engenheira como ele.
Os dois exalavam uma aura de jovialidade esportiva e de leve ironia científica, própria dos físicos. Tinham um
casal de filhos adoráveis.
O que pouca gente sabia -e talvez
não tenha vindo à tona nem sequer
durante os testes preliminares- é que
ele estava determinado a ser astronauta desde os 8 ou 9 anos de idade. Essa
é a opção vocacional da maioria dos
homens nessa faixa, que eles têm o
bom senso ou o conformismo de reconsiderar pouco depois. Não ele.
Caso extraordinário de força de
vontade, toda a sua vida posterior
veio sendo moldada com vistas àquele
único propósito, numa paixão silenciosa que não tinha nada do alvoroço
das fixações; parecia a certeza de um
destino, uma missão. De franzino
converteu-se em atlético, e passou a
adolescência inteira estudando.
Difícil dizer se essa concentração
num objetivo tão longínquo, além de
imponderável, ajudava ou atrapalhava
suas inegáveis credenciais, ou mesmo
se havia ali um grão de sagrado ou de
louco. Felizmente, não testemunhei a
débâcle, quando o programa foi adiado. Ele abandonou tudo, divorciou-se
e mudou para o interior.
Tempos depois chega uma carta,
dentro dela vários salmos copiados à
mão e os restos do brevê de piloto,
picotado. Ele tivera uma iluminação,
convertera-se à Renovação Carismática e agora se desfazia das coisas terrenas. Como seu colega de astronáutica
infantil, era eu o destinatário daquela
relíquia, sua verdadeira cédula de
identidade.
Havia lógica, ele continuava determinado a se aproximar, de alguma
forma, das estrelas, mas qual a moral
da história? Um grande sonho vale
uma vida? Não convém, pelo contrário, planejar com tanta antecedência?
Você decide. Em tempo: ele está bem,
casou de novo e só faz aquilo de que
sempre gostou: voar.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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