São Paulo, domingo, 18 de julho de 2004

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TENDÊNCIAS / DEBATES

Saber integrado no hospital universitário

EDUARDO MOACYR KRIEGER

A preocupação de fazer com que a descoberta, o conhecimento novo, rapidamente reverta em aplicação em benefício do homem é antiga. Uma nova fase foi simbolicamente inaugurada no início da década de 40, com a criação do Silicon Valley, na Califórnia, onde se iniciou a indústria eletrônica norte-americana, aproveitando o conhecimento gerado bem próximo, na Universidade de Stanford.
A seguir, todas as grandes universidades criaram incubadoras de novas indústrias, facilitando a transferência do conhecimento novo para o desenvolvimento de novas tecnologias. Mas também as indústrias criaram os seus próprios centros para otimizar o binômio pesquisa e desenvolvimento. Consagrou-se, assim, nos países industrializados, o círculo virtuoso da descoberta, aplicação e desenvolvimento.
É, portanto, a capacidade de gerar conhecimento e aplicá-lo em desenvolvimento dentro dos modernos sistemas de ciência, tecnologia e inovação o que distingue hoje os países industrializados daqueles em desenvolvimento. Uma das características importantes dos sistemas de C,T&I é a multidisciplinaridade, isto é, a integração do conhecimento existente nas diferentes áreas do saber, o que é feito por profissionais com formação diversa que compõem as chamadas equipes multidisciplinares.
As vantagens advindas de um sistema que integra as diferentes disciplinas e que facilita a transferência do conhecimento para aplicação podem ser constatadas em todos os setores de atividade, incluindo o setor da saúde, e particularmente o hospital universitário. De fato, esse é o local onde o conhecimento médico existente é aplicado, tanto na assistência como no ensino. Mas deve ser, também, o local de pesquisa, essencial para criar novos conhecimentos e fornecer o embasamento científico para a formação dos profissionais de saúde.


Consagrou-se, nos países industrializados, o círculo virtuoso da descoberta, aplicação e desenvolvimento

No estágio atual de desenvolvimento de nosso país, é fundamental que os hospitais universitários, ao lado da assistência e do ensino, façam pesquisa para satisfazer uma necessidade básica do sistema de saúde: triar e cientificamente avaliar os novos procedimentos, tanto os que envolvem medicamentos como os representados pelos novos equipamentos. Os países que não têm essa competência limitam-se à condição de compradores de caixas-pretas.
Essa é, portanto, uma atividade que a sociedade espera que os hospitais universitários realizem. Para tanto, é necessário que eles estejam adequadamente aparelhados e contem com recursos humanos qualificados. Aqui é que entra a necessidade de formarem equipes multidisciplinares, nas quais, ao lado dos médicos e dos paramédicos tradicionais do setor de enfermagem, nutrição etc., é necessário contar, também, com profissionais biomédicos que foram treinados para fazer pesquisa.
Evidente que os médicos professores do hospital universitário devem ter uma formação científica, mas não há nenhuma desvantagem -pelo contrário- se, ao lado de um clínico ou de um cirurgião altamente especializado, existirem profissionais dedicados somente à pesquisa. A responsabilidade de realizar simultaneamente assistência, ensino e pesquisa é da instituição e de suas equipes multidisciplinares.
O Instituto do Coração (Incor) é, em nosso meio, um exemplo marcante por ter desde a sua criação atraído profissionais das mais variadas formações, o que contribuiu para que ele se tenha tornado um centro reconhecido internacionalmente pela excelência com que aproxima a criação do conhecimento de sua aplicação no campo da cardiologia.
Um outro exemplo notável ocorre no Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da USP, junto à Faculdade de Odontologia de Bauru. Criou-se um laboratório para estudos da função respiratória e da fala, sob a responsabilidade de profissionais com formação biomédica e treinamento científico dado pela pós-graduação, que dá apoio ao diagnóstico e à avaliação de resultados nos operados de lesão lábio-palatina. Em 20 anos, o Laboratório de Fisiologia Respiratória tornou-se referência nacional e é reconhecido internacionalmente.
Outros exemplos certamente existem, mas é necessário generalizar a criação de equipes multidisciplinares nos hospitais universitários, para que eles possam cumprir a totalidade de suas tarefas. Todos sabemos que existem dificuldades financeiras para a contratação de equipes multidisciplinares, mas há também que proceder uma mudança cultural para que elas sejam valorizadas. Elemento positivo, e que favorece nesse momento a constituição das equipes, é o fato de a nossa pós-graduação formar anualmente centenas de doutores na área biomédica básica que precisam ser aproveitados nas suas competências.
Finalmente, é conveniente acentuar que o pessoal científico Incorporado às equipes pode apresentar projetos competitivos às agências financiadoras, possibilitando equipar os laboratórios de pesquisa do hospital sem ônus para a instituição.

Eduardo Moacyr Krieger, 76, professor emérito da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP, diretor da Unidade de Hipertensão do Incor, é membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e presidente da Academia Brasileira de Ciências.


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