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JOSÉ SARNEY
O Dédalo do Jânio
FOI A JUSTIÇA que tornou possível a democracia. No século
13, em 1215, com a Magna Carta, os ingleses iniciaram a construção do direito moderno. Foi o rei
João que pactuou a primeira declaração de direitos, abandonando a
noção de direito divino dos reis,
obrigando-se a respeitar a liberdade pessoal, a propriedade e a prerrogativa de ser julgado por uma
Justiça isenta. É o embrião dos direitos fundamentais.
Mas a genial concepção de uma
Constituição que consolidasse esse
pacto do Estado com a nação foi
obra dos americanos, com a Convenção de Filadélfia. A Constituição, para durar e ser boa, deve resumir-se a esses preceitos fundamentais e buscar ser perene, ultrapassar a vida dos que a fizeram e
ser a grande garantia de todos, sem
distinção.
No Brasil, a Constituição passou
a ser a bacia das almas, texto onde
se vão buscar todas as graças, num
corporativismo deformador. A
Constituição de 1988 é a grande
responsável pela bagunça legal que
existe no Brasil. Abro a Ordem do
Dia do Senado, a pauta do que se
devia decidir na última quarta-feira, e encontro 12 (!) Propostas de
Emenda Constitucional. É mais fácil emendar a Constituição do que
fazer uma lei. Quando a Carta de
1988 foi votada, continha 250 artigos, era longa e prolixa, detalhista e
híbrida. Hoje, a ela já foram incorporadas 56 Emendas, com mais artigos do que seu texto original. Suas
Disposições Transitórias, aquelas
que não fazem parte do corpo principal e têm duração efêmera, no
princípio eram 70 artigos, hoje são
94 e a transitoriedade perpetua-se,
o que é uma aberração. Nestes 20
anos de sua existência já transitaram no Congresso 3.500 Propostas
de Emenda e agora estão tramitando 1.500! Queremos outra prova de
sua total insatisfação?
O Poder Executivo legisla através das medidas provisórias e o Poder Legislativo está funcionando
virtualmente. O Judiciário vive
uma desarmonia inusitada. A democracia é um regime de conflitos,
muitas vezes graves e que podem
degenerar em crises institucionais.
No Império, para que isso não
ocorresse, o imperador e o Conselho de Estado exerciam o Poder
Moderador, papel que, após a Proclamação da República, foi desempenhado pelas Forças Armadas em
sucessivos golpes, o último deles
em 1964. Na normalidade democrática essa função moderadora é
da Justiça. É ela, como concebem
os ingleses, que assegura a democracia. Assim é o Estado de Direito.
Fora daí, é como dizia o Jânio Quadros, quando uma vez me perguntou sobre determinada pessoa:
"Sarney, sabe o que o fulano tem na
cabeça?" E respondeu, com seu sotaque carregado: "O dédalo, o dédalo, o dédalo!". É o Estado de Direito
do Brasil. Muitas leis, nenhuma lei.
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras
nesta coluna
jose-sarney@uol.com.br
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