São Paulo, sexta-feira, 18 de julho de 2008

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JOSÉ SARNEY

O Dédalo do Jânio

FOI A JUSTIÇA que tornou possível a democracia. No século 13, em 1215, com a Magna Carta, os ingleses iniciaram a construção do direito moderno. Foi o rei João que pactuou a primeira declaração de direitos, abandonando a noção de direito divino dos reis, obrigando-se a respeitar a liberdade pessoal, a propriedade e a prerrogativa de ser julgado por uma Justiça isenta. É o embrião dos direitos fundamentais.
Mas a genial concepção de uma Constituição que consolidasse esse pacto do Estado com a nação foi obra dos americanos, com a Convenção de Filadélfia. A Constituição, para durar e ser boa, deve resumir-se a esses preceitos fundamentais e buscar ser perene, ultrapassar a vida dos que a fizeram e ser a grande garantia de todos, sem distinção.
No Brasil, a Constituição passou a ser a bacia das almas, texto onde se vão buscar todas as graças, num corporativismo deformador. A Constituição de 1988 é a grande responsável pela bagunça legal que existe no Brasil. Abro a Ordem do Dia do Senado, a pauta do que se devia decidir na última quarta-feira, e encontro 12 (!) Propostas de Emenda Constitucional. É mais fácil emendar a Constituição do que fazer uma lei. Quando a Carta de 1988 foi votada, continha 250 artigos, era longa e prolixa, detalhista e híbrida. Hoje, a ela já foram incorporadas 56 Emendas, com mais artigos do que seu texto original. Suas Disposições Transitórias, aquelas que não fazem parte do corpo principal e têm duração efêmera, no princípio eram 70 artigos, hoje são 94 e a transitoriedade perpetua-se, o que é uma aberração. Nestes 20 anos de sua existência já transitaram no Congresso 3.500 Propostas de Emenda e agora estão tramitando 1.500! Queremos outra prova de sua total insatisfação?
O Poder Executivo legisla através das medidas provisórias e o Poder Legislativo está funcionando virtualmente. O Judiciário vive uma desarmonia inusitada. A democracia é um regime de conflitos, muitas vezes graves e que podem degenerar em crises institucionais.
No Império, para que isso não ocorresse, o imperador e o Conselho de Estado exerciam o Poder Moderador, papel que, após a Proclamação da República, foi desempenhado pelas Forças Armadas em sucessivos golpes, o último deles em 1964. Na normalidade democrática essa função moderadora é da Justiça. É ela, como concebem os ingleses, que assegura a democracia. Assim é o Estado de Direito.
Fora daí, é como dizia o Jânio Quadros, quando uma vez me perguntou sobre determinada pessoa:
"Sarney, sabe o que o fulano tem na cabeça?" E respondeu, com seu sotaque carregado: "O dédalo, o dédalo, o dédalo!". É o Estado de Direito do Brasil. Muitas leis, nenhuma lei.


JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna
jose-sarney@uol.com.br



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