São Paulo, quarta-feira, 18 de agosto de 2004 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES A última quimera
JEFFERSON PÉRES
Foi exatamente por isso que apoiei o Lula no segundo turno da eleição presidencial. Mais do que a esperança, tinha a convicção de que o PT e seus aliados históricos, uma vez no poder, começariam a mudar os costumes políticos deste país, imprimindo absoluta seriedade ao trato da coisa pública. Inexprimível, portanto, a minha decepção ao vê-los usar o poder com a mesma falta de escrúpulo dos outros, repetir tudo aquilo que sempre condenaram, praticar o fisiologismo mais reles e se aliar ao que há de pior na política brasileira. Um espetáculo deprimente, que se reproduz em quase todos os Estados, nos quais não se pejam de se unir nem mesmo à escória em troca de cargos ou de apoio eleitoral. Entendo que o PT tenha abandonado a utopia ideológica, uma vez que o projeto socialista desmoronou junto com o Muro de Berlim. Mas não entendo nem desculpo que tenha abjurado a utopia ética, configurada no compromisso de conciliar a política com a decência, especialmente no exercício do poder. Insubsistente, ao meu ver, o argumento de ganho para o processo político com o desaparecimento do maniqueísmo anterior. Ganho haveria se tivesse havido homogeneização positiva, com todos assumindo compromissos éticos. Com o abandono destes pelo PT, ocorreu um nivelamento por baixo e, portanto, uma perda para a vida pública em nosso país. Não é que a ética fosse exclusividade dos petistas, uma vez que em todos os partidos existem pessoas sérias. Mas essa era a marca identificadora do PT, que o distinguia como ente coletivo, a manter a esperança nessa utopia possível. A partir de agora, na percepção social, ética é apanágio individual, excepcionalmente encontrado. No geral, aos olhos de todos, partidos são "societas sceleris", legalizadas, com o propósito de assaltar o poder. Nem se recorra à desculpa da ética da responsabilidade, invocada por Max Weber, que serve para aplacar consciências culpadas, mas não para justificar a renúncia de valores irrenunciáveis em qualquer circunstância. Se eu me sinto assim, amargurado, imagino como se sentem os integrantes da velha esquerda ao assistirem a esse "formidável enterro da última quimera", isto é, do que parecia nobre e puro na política brasileira. Que lástima! Jefferson Péres, 72, advogado, senador pelo PDT-AM, é o líder do partido no Senado. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Sérgio Murillo de Carvalho e Aloísio Lopes: A ética jornalística precisa de um conselho Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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