São Paulo, sábado, 18 de agosto de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Congresso deve aprovar emenda que efetiva servidores públicos não concursados?

SIM

O trem da alegria precisa ser descarrilado

ZENALDO COUTINHO

A CONSTITUIÇÃO de 1988 estabeleceu em suas disposições transitórias que todo servidor público contratado sem concurso até 5/10/1983 ganharia a estabilidade.
Em outro dispositivo, três formas de ingresso futuro na administração pública: os efetivos, concursados (regra geral); os cargos de confiança; e os temporários, em decorrência de excepcional interesse público.
A Constituinte se preocupou com a regra do concurso pois ela garante direitos iguais de acesso. É moralizadora e impede o afilhadismo, o compadrio, comum em nossa tradição.
O que seria exceção alcançou proporções extravagantes. Governos, com destaque à administração do presidente Lula, têm sido generosos com a multiplicação de cargos de livre provimento, cujo critério é a filiação partidária e as contribuições aos partidos dela decorrentes. Paralelamente, houve contratações temporárias, prorrogadas indefinidamente.
Há no país milhares de servidores contratados desde 6/10/1983 (logo, sem o amparo da Constituição) que permanecem em seus cargos. Existem, assim, desde servidores com um mês de contrato até aqueles com 24 anos de exercício continuado. Uma situação irregular, que fere a regra constitucional do concurso público.
Em 1999, o ex-deputado Celso Giglio apresentou proposta de emenda à Constituição concedendo estabilidade aos servidores contratados sem concurso até a promulgação da Carta Magna e que foram excluídos por não possuírem os cinco anos que a Constituinte exigia. Na verdade, a proposta visava incluir algo que já fora concedido aos servidores da União, por meio do regime jurídico, em seu artigo 243. Ou seja, a lei garantiu direitos além dos limites constitucionais.
A exemplo do regime jurídico dos servidores federais, alguns Estados estenderam o benefício. Na mesma linha, o Conselho Nacional de Justiça entendeu que os servidores do Poder Judiciário contratados até a promulgação da Constituição detinham os mesmos direitos, fossem federais, fossem Estaduais.
A PEC 54, que tinha na origem razões inquestionáveis, passou a receber penduricalhos que a transformaram em um monstrengo. Funcionários requisitados com vantagens pecuniárias e comissionados passaram a fazer parte dos apensamentos. Na legislatura passada, houve tentativa de votar a matéria, mas, com as reações, a proposta foi engavetada e as irregularidades permaneceram.
Hoje, presumo, existem cerca de muitas centenas de milhares de temporários com menos de dez anos de serviço e quase 300 mil com mais de dez anos. Ao constatar essa irregularidade que persiste com arranjos legislativos municipais e estaduais, decidi interferir para resolver a confusão, apresentando a PEC 133, que limita a um ano (improrrogável) o contrato temporário, para que a regra seja o concurso público.
O STF, em 2004, ao julgar uma ação interposta por um grupo de funcionários de autarquia federal com mais de dez anos de serviço, decidiu que tempo tão longo de contrato descaracterizara a definição de temporários e que o contratante contraíra obrigações de vinculação funcional com eles.
A insegurança jurídica é grande, e maior ainda é a proliferação de tratamentos diferenciados, ora por pressão do Ministério Público do Trabalho, ora por governantes, ora por funcionários, ora por políticos etc. Num lugar resolvem demitir, no outro, manter, sem nenhuma uniformidade de tratamento.
Quanto ao passado, defendo a demissão imediata dos que têm menos de dez anos, que são a grande maioria no país, e proponho aos servidores com mais de dez anos só a estabilidade, sem ônus adicional para o poder público, porque todos já contribuem para o regime geral da Previdência ou para os regimes próprios dos Estados, como também a totalidade já tem seus salários. Minha emenda saneadora é parte de proposta do deputado Carlos Santana (PT-RJ), apresentada na comissão especial.
Por fim, devo dizer que o pior é nossa omissão. Devemos ter coragem de decidir, senão os trens continuarão a passar.


ZENALDO RODRIGUES COUTINHO JUNIOR, 46, advogado, é deputado federal pelo PSDB-PA e líder da minoria na Câmara dos Deputados.

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